quarta-feira, 28 de outubro de 2015

editores no Festival Literário de Óbidos

no fim-de-semana passado juntaram-se no Folio, Festival Literário Internacional de Óbidos, quatro editores para uma conversa que deveria ser uma reflexão sobre a edição hoje em dia num contexto de concentração editorial. Os convidados foram Manuel Alberto Valente, Porto Editora, João Paulo Cotrim, Abysmo, Bárbara Bulhosa, Tinta da China e Zeferino Coelho pela Caminho, hoje parte do grupo Leya.

as expectativas não eram muito altas, num contexto daqueles a probabilidade era que a conversa fosse bem comportada, com alguns clichés sobre a importância dos pequenos e médios editores para colmatar espaços dos grandes editores. mas na verdade esta conversa acabou por ser uma rampa de lançamento para algum pensamento crítico sobre o lugar de cada um dos intervenientes e, por analogia, dos outros editores que hoje convivem no panorama editorial nacional.

Manuel Alberto Valente começa a sua intervenção dizendo que a concentração editorial é um fenómeno global, não apenas nacional e que é indiscutível afirmar que esta concentração afecta a produção literária sobretudo em autores novos. na verdade, e creio que isso acabou por ficar claro com as intervenções posteriores do João Paulo Cotrim e da Bárbara Bulhosa, o facto de as concentrações retirarem espaço a novos autores criou um gigante espaço exterior que possibilitou e incentivou a criação de pequenos editores que têm como objectivo a publicação desses autores. editoras como a Abysmo e a Tinta da China são prova disso mesmo.

João Paulo Cotrim e Bárbara Bulhosa intervieram no sentido de clarificar que uma editora independente não o é apenas por uma questão financeira. João Paulo Cotrim começou por deixar claro que a criação do chamado best seller não está ligado à produção literária e sim ao mercado e à indústria do livro. há um ponto que muitas vezes escapa neste tipo de abordagens - a diferença entre o leitor e o cliente. acredito que o que o João Paulo quis dizer aqui, e que a Bárbara Bulhosa acabou por corroborar, é que a estes editores interessa-lhes, claro, vender muito, o mais possível, mas numa lógica de angariação de leitores. o objectivo do editor deverá ser sempre a procura de leitores reais para os autores. é nessa relação real que está o objectivo destes editores, e, adjacentemente, de todas as possíveis campanhas de marketing ou de divulgação do livro.

o que está aqui em causa é efectivamente uma questão de ética, ou, usando as palavras de João Paulo Cotrim, uma questão de cidadania. considerar-se a produção massiva do sistema capitalista a única forma de trabalhar os livros como sendo uma consequência natural é um profundo disparate. em todos os negócios em que nos envolvemos temos sempre a possibilidade de nos posicionarmos de duas formas - conscientes das consequências éticas da nossa acção ou não. dentro de uma postura consciente e ética podemos ou não vender muito. ou podemos vender muito sem esse posicionamento ético. uma não exclui a outra.

por exemplo:
se um editor como o Zeferino Coelho afirma que a concentração editorial não trouxe diferenças à sua vida porque continua a poder editar os seus autores e, ainda por cima, consegue dinheiro para fazer campanhas na Fnac ou na Bertrand ou em supermercados com grandes cartazes e outros meios publicitários o Zeferino está a dizer que não conhece, ou não é importante para ele, que um leitor que compre um livro por ter visto a fotografia num cartaz não é propriamente um leitor novo para aquele livro. por outro lado, e aqui também se coloca um sério problema ético, quando um editor faz campanhas na Fnac ou na Bertrand ou num supermercado fá-lo contra condições (margens de desconto abusivas) destas "livrarias", margens essas que impelem o editor a aumentar o preço do livro para além de que dão legitimidade às mesmas para limitar a entrada de editores mais pequenos e independentes por não poderem fazer face a essas condições ou por não terem distribuição. desta forma vão assassinando os pequenos livreiros, diminuindo a possibilidade de um leitor real ter um espaço físico onde fomentar a relação íntima leitor - autor. desta forma, com a morte e asfixiamento das pequenas livrarias os editores que não querem ceder às condições dos grandes grupos acabam por ter um espaço limitado de distribuição. perdem os leitores e perde a literatura. num sentido ético perdem todos os que lêem e vivem dentro do negócio dos livros.

a maior falta de cidadania é fecharmos os olhos ao que não nos toca a nós directamente, achando que o único mundo que devemos proteger é o nosso. nesse sentido o João Paulo Cotrim e a Bárbara Bulhosa mostraram o que é ser uma editora que está comprometida com os seus leitores e que não abdica dessa relação por nenhuma lógica comercial. e mostraram a todos que para isso não é preciso não vender. é só preciso viver convictamente dentro dos seus princípios e acreditar que apesar de ser um caminho muito mais trabalhoso é o único caminho que pode, no final, ter alguma luz. os leitores agradecem.



terça-feira, 6 de outubro de 2015

lançamento Uma História da Curiosidade



ouvi o Manguel pela primeira vez há uns doze anos, não fazia ideia quem ele era. ouvi-o a falar do percurso de vida dele, de como foi leitor do Borges quando ele cegou, de como se foi aproximando de forma crescente dos livros e da ideia de biblioteca labirinto tão querida aos hispano-americanos e aos borgeanos. a partir daí fui lendo os livros todos, as entrevistas, vi os vídeos, andei em Buenos Aires à procura também da infância dele. o que é diferente em Manguel é que consegue juntar um conhecimento enciclopédico a uma emoção e ternura sem igual. aos livros, sim, mas sobretudo à ideia de leitura.
hoje ele vem a Lisboa, e vai ser, sem qualquer dúvida, um privilégio poder ouvi-lo. às 18h30, no auditório da Gulbenkian, em Lisboa. entrada livre.