domingo, 13 de setembro de 2020

A Cláudia e a Leonor




Acabei hoje de ler o Tatuagens de Luz da Cláudia Clemente, editado pela Sistema Solar / Documenta sobre o processo de pesquisa e encontro da figura da poeta Leonor de Almeida. Com os anos fui conhecendo esta forma única que a Cláudia tem de entrega absoluta ao que quer fazer. Isso que quer fazer pode ter a as mais variadas formas de arte mas também pode ser amizade, amor, família. Este livro tem um misto de todas estas características da Cláudia. Primeiro é um tipo de livro que não terão visto muito por aí. A Cláudia ouve falar da Leonor de Almeida por ser a esteticista da avó que lhe tinha vendido um quadro surrealista e que também escrevia poemas. Depois, por diversos episódios pessoais, decide saber mais sobre a poeta. E começa um caminho, descrito no livro, cheio de coincidências (o fascinante acaso objectivo de Breton), obstáculos, estradas que se bifurcam em caminhos insondáveis. E durante todo o livro vamo-nos envolvendo com a Cláudia que conta a história e com a Cláudia que resolve trazer a poeta para o seu círculo de proximidade. O que está neste livro é um acto de generosidade da Cláudia para com a memória e para com a literatura. Eu egoisticamente acho que esse acto de generosidade é para mim, e creio que essa relação de proximidade pode ser sentida por mais pessoas. O que está neste livro é uma história de amor. E desengane-se quem ache que este livro podia ter sido escrito por qualquer pessoa, só podia ter sido escrito pela Cláudia porque só ela tem esta forma de viver as suas obsessões. Como um furacão, sem parar, sem medos, ou melhor, alimentando-se desses medos.

A par com este livro a Ponto de Fuga publicou a obra completa da poeta. A Cláudia prometeu à Leonor de Almeida que ela não continuaria a ser esquecida. E agora arrisco dizer, eu que trabalho tanto as escritoras portuguesas esquecidas do séc. XX, que não conheço nenhuma tão bem como conheço a Leonor de Almeida. Não percam nenhum dos livros. Um é um monumento à poesia da Leonor. O outro é a dádiva da Cláudia à poesia portuguesa e, intrinsecamente, à Leonor.