Há uma grande falácia na modernidade tecnológica. Não estamos cada vez mais perto do mundo, estamos antes com vários olhos postos em quem está ao nosso lado. A arte existia quando era produto de uma cabeça consciente dos seus limites físicos. Como se tivesse maiores possibilidades artísticas quando o produto artístico era um objecto auto-suficiente antes de pensar nas restantes possibilidades. Hoje estamos perante uma forte mutação dessa realidade.
A literatura contemporânea portuguesa está neste momento a atravessar um deserto longo e penoso do ponto de vista artístico, porque há muito tempo que a literatura desistiu de se posicionar. A pós-modernidade trouxe ao pensamento artístico algumas teias perigosas, mas muitas possibilidades artísticas, infinitas. E dessas tantas possibilidades a literatura portuguesa tem-se deixado arrastar por uma literatura que rejeita por um lado a ideia da arte e por outro a ideia de identidade. Poucas são as obras que trazem um verdadeiro questionamento do imenso poder da palavra, da capacidade revolucionária de um livro, da capacidade que a obra de arte tem em atingir um qualquer ponto fulcral.
É natural que ao lerem este texto a vossa cabeça se posicione criticamente de forma negativa perante o que aqui está. Porque o séc. XXI é o século que, na literatura, nos traz a ideia de que tudo é permitido. Ainda numa espécie de ressaca de regimes totalitários (artísticos e não), acreditamos que não nos devemos posicionar, que devemos deixar o livro existir na forma que quiser. Mas esse posicionamento é o oposto da opressão e é o sinónimo da liberdade. Escolhermos o sítio da arte, defendermos e conhecermos o impacto do que escrevemos, é o apogeu da liberdade criativa. A nossa literatura tem a doença da aceitação e aceitação pode rapidamente tornar-se quantitativa. Essa aceitação tem sido o contrário da liberdade criativa.
Há excepções, claro. Poemas soltos, ideias, noites longas, copos de vinho. Amigos. Alguns livros. Alguns livros redescobertos. Mas falta-nos vontade de quebrar barreiras e este século tem sido muito frutífero em criá-las. A tecnologia é uma delas, as rotinas, o capitalismo, a falta de opções, outras.
Mas é uma fase, claro. Só que é uma fase mais longa porque é muito confortável. Porque a vida pode ser muito simples. Porque a verdadeira criação artística provoca-nos questionamentos que não são necessariamente sofrimentos, mas são processos transformativos e evolutivos. Talvez os nossos poetas e escritores sejam apenas muitos, pode ser isso. Mas é difícil ser optimista perante isto, e talvez o optimismo não seja a postura necessária. Devemos ao mundo uma constante sensação de desconforto para que nunca nenhum momento nos pareça finalizado.
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