quarta-feira, 29 de junho de 2016

a edição mainstream e a honestidade intelectual

tenho estado estas semanas a pensar na arrogância de tantas vezes não aceitar pontos de vista colocados no mainstream quando se fala de edição. hesitei escrever sobre isso antes de ter a certeza que não é arrogância.

o meio editorial mainstream não o é por acaso. há neste terrível mundo do "mercado" (termo que precisa de aspas) regras imbatíveis - quem se ouve falar mais, por um maior número de pessoas, torna-se tendencialmente alguém digno de respeito ou crítica, de um pensamento elaborado, torna-se foco da nossa atenção e do nosso juízo. expressões sem sentido como "não há má publicidade" fazem sentido neste contexto, porque se sabe que é no ouvir falar que estão as vendas e que o boca a boca é a melhor forma de vender livros.

é nisto que reside a beleza de não estarmos no mainstream - ainda que este não invalide autores de génio, valida-os normalmente quando eles chegam a clássicos. mas vá, podemos afirmar que ser mainstream não é ser mau. mas a única forma de um mau livro vender milhares de exemplares é ser mainstream.

retomando, a beleza de não estarmos no mainstream é percebemos que para aquele livro ser lido tem de percorrer caminhos de pensamento. pensamento porque não nos chega por um caminho diferente da leitura. pode ser um livro bom ou mau mas se a comunicação não for massificada fora das qualidades intrínsecas do livro então não estamos perante um livro mainstream.

ouvi recentemente uma pessoa da área da edição dizer que um livro tem de ser muito bom para ser publicado por uma grande editora. esta observação fez-me perceber que há realmente um pensamento pequeno dentro da caixa em muitas pessoas que são as pessoas da porta ao lado. essa caixa é poderosa no que respeita quantidades, a arrogância que recusa o mainstream tem um outro poder, mais literário, mais ponderado. mais trabalhado, de alguma forma.

o que na verdade interessa é que é importante conhecer os caminhos que existem. as opções, os universos. talvez não interesse em absoluto e apenas a nós mas interessa se queremos ensinar ou passar informação a outras pessoas. podemos defender as nossas capelas, se as tivermos, passando ao outro a ideia real do que existe na edição e na literatura. talvez esta ideia seja inocente ou romantizada mas é importante acreditar que, se a nossa função é dar a ler, não devemos viver em caixas, isolados. podemos ser arrogantes, mas a partir do momento em que queremos ensinar e esclarecer temos de ser honestos. é na capacidade de sermos honestos intelectualmente que se legitima a arrogância e ela se transforma em opinião e posicionamento.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Festival Silêncio

Na próxima semana os Poetas do Povo marcam presença no FESTIVAL SILÊNCIO com um conjunto de seis sessões com curadoria minha. Está aqui um elenco de luxo, conto com vocês! Todas as sessões são no bar Vicking e duram um pouco menos de uma hora. Passem por lá enquanto circulam pelas imensas surpresas que este festival traz à cidade.
Ao meu elenco de luxo, obrigada

 
POETAS DO POVO (sessões 161 a 166) / O MUNDO NÃO SE FEZ PARA PENSARMOS NELE. Festival Silêncio, 1,2 e 3 de Julho
http://festivalsilencio.com/
Houve sempre poesia. Dentro de todos os séculos e todas as idades. E a poesia foi sempre escrita na razão de cada poeta mas junto de outros poetas. Em diferentes tempos e diferentes idades houve diferentes poesias, por razões que tanto eram pessoais como universais. Assim se foi fazendo, por aqui, a nossa história.
Porque o mundo não se fez para pensarmos nele mas sim para o escrevermos e lermos vamos agora percorrer quatro séculos de poesia e perceber que poesia havia para ser dita e lida e cantada, por tantos poetas, em tantas poesias, em tão bela e única história poética. Curadoria de Rosa Azevedo.
____________________________________________________
POESIA E CLASSICISMO
1 de Julho 19h
Foi no tempo em que a poesia era salva em mar alto, poesia dos heróis, dos modernos, poesia que imagina a ponte entre o antes e um império inteiro por haver. É a poesia como a única linguagem possível.
António Poppe
Gustavo Rubim
Luís Serpa
Mùsico - João Paulo Gaspar (viola d'arco)
_____________________________________________________
POESIA E ROMANTISMO
1 de Julho 21h
Houve o tempo em que a poesia teve de entender e cantar o amor. Instrumentalizou-se a palavra em prol do poeta, descobriu-se que a palavra não existia longe do eu. Foi o tempo das questões e não das respostas. Verbalizou-se a dúvida, poetizou-se o que era até então indizível.
Raquel Marinho
Cláudio Henriques
André Gago
Mùsico - João Paulo Gaspar (viola d'arco)
_____________________________________________________
POESIA E REALISMO
2 de Julho 16h
Com o fim do séc. XIX o escritor percebeu que a escrita é uma arma com poderosas consequências. Percebeu a responsabilidade da palavra escrita, entendeu a sociedade como mutante e complexa. Foi o tempo em que a poesia teve consciência de si, da sua força no mundo enquanto pertença.
Maria Coutinho
Sara Felício
Nuno Miguel Guedes
Músico: Filipe Valentim (piano)
_____________________________________________________
POESIA E MODERNISMO
2 de Julho 18h
Poesia autónoma, artística, cubista, futurista, libertadora, maquinal, moderna, fragmentária, metálica, violenta, simbolista, sonora, vibrante, suicida, irreverente, indiferente, fracturante, alucinante, modernista.
Ana Brandão
Ana Rocha
Patrícia Portela
Músico: Filipe Valentim (piano)
_____________________________________________________
POESIA E SURREALISMO
3 de Julho 16h
Como nos disse António Maria Lisboa «A actividade surrealista não é uma simples purga seguida de um dia de descanso a caldos de galinha, mas revolta permanente contra a estabilidade e cristalização das coisas.». Ao que poderia ter respondido Cesariny “Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!”
Joana Bertholo
Margarida Ferra
Claudia Sampaio
Músico: Luís Bastos (guitarra acústica e clarinete)
_____________________________________________________
NOVÍSSIMA POESIA
3 de Julho 18h
Veio o tempo dos poetas. Sem escola, com a originalidade possível, na procura da palavra exacta na frase fragmentada. Uma poesia que chegou a todos, a lugares improváveis da cidade. E quando os poemas cobrem a cidade, os Poetas do Povo procuram neles a palavra exacta para a reproduzirem no último dia do Festival Silêncio, oferecendo a palavra aos seus ouvintes e dando aos leitores o espaço absoluto da poesia.
Marta Navarro
Inês Lago
Raquel Nobre Guerra
Músico: Luís Bastos (guitarra acústica e clarinete)

domingo, 26 de junho de 2016

Prefácio de Poetas sem qualidades

Em 2002 Manuel de Freitas lança a antologia Poetas sem qualidades onde demonstra que, com o virar do século, a poesia tinha mudado. O que isso significa podem ler neste prefácio ainda hoje urgente e necessário.


clicar nas imagens para aumentar








terça-feira, 7 de junho de 2016

das redes


hoje juntei-me com umas amigas que fizeram comigo um dos meus cursos há uns meses para falarmos da Maria Judite de Carvalho. juntamo-nos todos os meses para falar de um livro. decidimos que o próximo seria o Dinossauro Excelentíssimo do José Cardoso Pires. lembrei-me que há uns anos um aluno de um curso me tinha dito que era um livro incrível que eu devia ler. na mesa ao lado um senhor pede desculpa de interromper e diz que há uns anos digitalizou o livro e que nos pode passar. estranhamos a simpatia mas aceitamos. quando lhe dou o meu e-mail para me mandar o livro ele diz que foi por causa do curso que o digitalizou mas que tinha perdido o meu contacto, e que foi ele que fez o curso e que me falou do livro.
para além da coincidência houve outra coisa que me comoveu e que não consegui descrever. talvez a sensação de que há redes a ser construídas que nunca terei ideia verdadeira da dimensão que têm.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

REVERSO | 02



Entre a Rua da Esperança e a Calçada Marquês de Abrantes, a Cossoul abrirá este ano as suas portas a mais uma edição do REVERSO – ENCONTRO DE AUTORES, ARTISTAS E EDITORES INDEPENDENTES.
Nos dias 12, 13 e 14 de Maio de 2016, o n.º 61 da Avenida D. Carlos I, em Santos, volta a receber editores e criadores das diversas áreas artísticas – da poesia e da literatura ao teatro, da música às artes plásticas, passando pela arquitectura e pelo cinema.
Mais abrangente, mas idêntica no seu propósito, a 2.ª edição do Reverso pretende promover o encontro e a partilha de projectos e ideias independentes, contando com um conjunto variado de iniciativas: apresentações de projectos, mesas redondas, debates, lançamentos de livros, concertos, leituras, performances, exposições e projecções de curtas-metragens e documentários.Por gosto, e por um pouco mais de cultura.

quinta-feira, 31 de março de 2016

o segundo primeiro dia da livraria Snob


Ana Christelo
a Snob fecha daqui a minutos a porta do seu espaço físico, em Guimarães. durante este ano e meio mostrou à cidade que a cidade precisa de livros, e criou naquele espaço uma comunidade. leitores que se conheceram, que beberam uns copos de vinho juntos, que se tornaram amigos para além do espaço da livraria. ali nasceram projectos, fizeram-se lançamentos de livros, leituras de teatro, concertos. com o tempo a Snob foi ficando autónoma, deixou de ter horário fixo, acompanhava as pessoas quando elas precisavam de ali estar noite dentro.

quando hoje tendemos a lamentar o fecho deste espaço físico, percebemos com um pensamento mais profundo que o que tornava aquele espaço o que ele era, era na verdade essa comunidade. não eram as paredes, as estantes, no limite quase nem eram os livros, pelo menos não necessariamente aqueles livros. era, isso sim, a ideia do leitor. o leitor que ali encontrava o único espaço fora da solidão que a leitura merece. junto a esse leitor e a essa comunidade estavam os livreiros, e aqui quero falar do Duarte, o livreiro que neste últimos meses teve de perceber o que era a Snob. e chegou às conclusões que aqui vos descrevo. que a Snob era maior, era outro espaço que não só aquele.

o Duarte gosta de livros, gosta de vender livros. gosta de procurar, de ler, de falar com as pessoas, de encontrar leitores insuspeitos, encontrar quem ainda não saiba bem que é um leitor. gosta de estar ao pé das pessoas. gosta de ter o carro um caos, livros, caixas, pó e envelopes, sempre a caminho de outros sítios. gosta de viajar. e foi assim que o Duarte entendeu que o sítio da Snob era outro, e que o seu sítio nunca poderia ser um só, enraizado. 

e aqui nada se perdeu, tanto pelo contrário. podemos e devemos entender que o que a Snob fez foi tornar-se maior e, queremos acreditar, melhor. passando a estar em feiras, em cafés com leitores, em vários espaços em Guimarães com selecções de livros, on-line, no site e no facebook. e desde que o Duarte e a Snob tomaram essa decisão, há poucas semanas, a livraria começou a vender mais e melhor.

creio que todos ganhamos por ter o Duarte e a Snob mais perto. mais disponível para cada um dos leitores. a Snob terá, ainda mais agora, uma cara, uma ideia de si mais real. a Snob vai poder pesquisar mais, dedicar-se a cada um dos leitores, ler muito mais. e a livraria vai continuar em Guimarães, com o vinho, os lançamentos, as leituras, a ternura e dedicação do Duarte, mas vai também estar em Lisboa, no Porto, em Braga, em Paredes de Coura, em Coimbra e em muitos outros sítios. 

por isso é preciso continuarmos a ter na Snob a nossa livraria, a encomendar livros novos e raridades, a organizar eventos, a contar com o Duarte para feiras itinerantes.  porque este é o primeiro dia da Snob, um outro primeiro dia. que traz numa memória próxima e real todos e cada um dos incríveis dias passados na Rua D. João I. chegou apenas a hora de continuar essas memórias, em novos sítios. com todas as mesmas pessoas e tantas outras que começam a chegar.

para encomendas, conversas e questões
mail: livrariasnob@gmail.com

sexta-feira, 18 de março de 2016

da não leitura da crítica à entrada do fim-de-semana

continuamos a viver a ditadura do bem comportado. os livros são produzidos em massa e procuramos sempre perceber as falhas, os sítios onde o livro não cumpriu. é neste ponto que a crítica literária falha, a procura do erro. o terrível encontro entre a perfeição e a harmonia como um dos sítios da boa literatura.

há excepções, não só no livro como no leitor. o que sabe encontrar o sítio do desconforto e perceber o sítio em carne exposta da literatura. e não há leitores e críticos imaculados, vai existindo é quem consiga perceber que a escrita sem erros e sem falhas estruturais é uma literatura que engana.

há umas semanas o Gonçalo M Tavares dizia-me na conversa que tivemos em Setúbal que o erro na nossa forma de ler vem da escola que nos apresenta desafios por fases, só avançando para a fase seguinte se tivermos percebido a anterior. culturalmente habituamo-nos a isso: a perceber, a ver na dúvida um inimigo. literariamente habituamo-nos a ficar "viciados" nos livros, a "amar" os livros. a amar os livros que nos "agarram", que não conseguimos largar.  a ditadura do conforto, do descanso.

não podemos perder o sítio incrível que é aquele que nos desconforta. esse conceito de desconforto e incompreensão desapareceu dos jornais. mas ainda não desapareceu das conversas nem do silêncio. porque é no silêncio que esse sítio se desenvolve, porque os processos de entendimento são sempre processos íntimos, como deveria ser a leitura. 


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

a avó e o Steinbeck





há vinte anos a minha avó ofereceu-me este livro da biblioteca dela. li-o e depois ela chegou a minha casa com os outros livros do Steinbeck e ofereceu-mos. li-os todos e fui comprando os poucos os que ela não tinha. hoje recomecei a ler este que como foi o primeiro começa a fugir da memória, e porque hoje a minha avó já não lê livros mas ainda quer muito que vá lendo os livros que hoje já não consegue ler. e penso que a literatura é a minha história e que não há história que eu seja que não seja a literatura. neste caso a literatura que é também a história da minha avó.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Curso de Surrealismo Português










4 sessões à segunda-feira, entre as 19h e as 20h.
15, 22 e 29 de Fevereiro + 7 de Março

Preço: 50€
Inscrições até 8 de Fevereiro: 45€

geral@leituria.com ou rosa.b.azev@gmail.com


«A actividade surrealista não é uma simples purga seguida de um dia de descanso a caldos de galinha, mas revolta permanente contra a estabilidade e cristalização das coisas.»

António Maria Lisboa












Vamos ter Cesariny, Pacheco, O'Neill, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa e outros. Vamos ter surrealismos e dadaísmos e outros ismos inventados por nós. Vamos conviver surrealisticamente. Vamos pensar surrealisticamente. Vamos surrealisticar. Podem vir a horas ou chegar atrasados. Podem vir ao contrário. Podem não vir


Rosa Azevedo é formada em Literatura Portuguesa e Francesa com curso minor em Literaturas do Mundo e tem mestrado em Edição de Texto. Tem realizado desde 2007 diversos cursos de literatura portuguesa e hispano-americana, para além de outros trabalhos de produção ligados à literatura, nomeadamente na área do surrealismo e da edição independente. Fundou e foi presidente da Associação Cultural Respigarte e do grupo teatral A Mancha. É produtora do Reverso – encontro de autores, artistas e editores independentes, do Colectivo Prisma e do Muito Cá de Casa da Casa da Cultura de Setúbal, para as questões da literatura, onde é também moderadora. Colabora com a direcção da Cossoul em questões de produção, programação e associativismo. Mantém o blog estórias com livros.

Foi livreira e hoje é produtora, formadora, revisora e dinamizadora / divulgadora da área dos livros.


Evento facebook.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Gonçalo M Tavares em Setúbal

é já esta 6ª que terei o imenso privilégio de conversar com o Gonçalo sobre a sua obra. na Casa da Cultura em Setúbal, 22h.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

curso de Literatura Portuguesa do séc XX on-line

o meu curso de Literatura Portuguesa do séc XX, na versão das oito sessões, já se encontra on-line na EC.ON. Os cursos online da EC.ON são individuais e baseados em acompanhamento personalizado. Estes cursos não possuem datas de realização: estão permanentemente disponíveis e os interessados podem iniciar a sua formação assim que o entendam. Habitualmente, iniciam-se no momento em que a propina é paga.

Toda a informação aqui.  



quarta-feira, 4 de novembro de 2015

"El miedo manda" por Eduardo Galeano


Habitamos un mundo gobernado por el miedo, el miedo manda, el poder come miedo, ¿qué sería del poder sin el miedo? Sin el miedo que el propio poder genera para perpetuarse.

El miedo al silencio que aturde las calles. 
El miedo amenaza. 
Si usted ama tendrá sida. 
Si fuma tendrá cáncer. 
Si respira tendrá contaminación. 
Si bebe tendrá accidentes. 
Si come tendrá colesterol. 
Si habla tendrá desempleo. 
Si camina tendrá violencia. 
Si piensa tendrá angustia. 
Si duda tendrá locura. 
Si siente tendrá soledad.

Apareció el demonio en forma de mujer. Una mujer que rugía arrastrándose por los suelos. Y el Papa Juan Pablo II, libro un combate cuerpo a cuerpo contra el maligno, conjurando al intruso con exorcismos que provenían de otro papa que había logrado arrancar de Galileo Galilei la diabólica idea de que el mundo giraba alrededor del sol.
Cada pelo que pierdo, cada uno de mis últimos cabellos es un compañero que cae y que antes de caer a tenido nombre o por lo menos número.

El hambre desayuna miedo. 
El miedo global

Los que trabajan tienen miedo de perder el trabajo.
Y los que no trabajan tienen miedo de no encontrar nunca trabajo.
Quien no tiene miedo al hambre, tiene miedo a la comida.
Los automovilistas tienen miedo a caminar y los peatones tienen miedo de ser atropellados.
La democracia tiene miedo de recordar y el lenguaje tiene miedo de decir.
Los civiles tienen miedo a los militares. Los militares tienen miedo a la falta de armas.
Las armas tienen miedo a la falta de guerra.
Es el tiempo del miedo.
Miedo de la mujer a la violencia del hombre y miedo del hombre a la mujer sin miedo.
Miedo a los ladrones y miedo a la policía.
Miedo a la puerta sin cerradura.
Al tiempo sin relojes.
Al niño sin televisión.
Miedo a la noche sin pastillas para dormir y a la mañana sin pastillas para despertar.
Miedo a la soledad y miedo a la multitud.
Miedo a lo que fue.
Miedo a lo que será.
Miedo de morir.
Miedo de vivir.
Indicios
No se sabe si ocurrió hace un rato o hace siglos o nunca.
A la hora de ir a trabajar un leñador descubrió que le faltaba el hacha.
Observó a su vecino. El vecino tenía todo el aspecto de un ladrón de hachas. Estaba claro: la mirada, los gestos, la manera de hablar.
Unos días después el leñador encontró el hacha que había perdido. Y cuando volvió a observar a su vecino, comprobó que no se parecía para nada a un ladrón de hachas, ni en la mirada ni en los gestos ni en la manera de hablar.
El Diablo es extranjero
El culpómetro indica que el inmigrante viene a robarnos el empleo. Y el peligrosímetro lo señala con luz roja. Si el intruso, el venido de afuera, es joven y pobre y no es blanco, está condenado a primera vista por indigencia o inclinación al caos o portación de piel. Pero si no es joven ni pobre, ni oscuro, de todos modos merece la malvenida porque ha venido a trabajar el doble a cambio de la mitad.
El pánico a la pérdida del empleo es uno de los miedos más poderosos en estos tiempos del mundo gobernado por el miedo.
Y la verdad es que el inmigrante está siempre situado a primera mano, ahí no más, a la vista, a la hora de encontrar culpables del desempleo, de la inseguridad y de otras muchas temibles desgracias.
Antes Europa derramaba sobre el mundo, sobre el mundo entero: soldados, presos, campesinos muertos de hambre... que eran protagonistas de las aventuras coloniales y han pasado a la historia como mensajeros de Dios. Era la civilización lanzada al rescate de la barbarie.
Ahora el viaje ocurre al revés. Eso quiere ser la invasión de los invadidos. Los que llegan o intentan llegar desde el sur al norte son protagonistas de las desventuras coloniales que pasan a la historia como mensajeros del Diablo. Es la barbarie lanzada al asalto de la civilización.
El arte de mandar
Un emperador de China, no se sabe su nombre ni su dinastía ni su tiempo, llamó una noche a su consejero principal y le confió la angustia que le impedía dormir. Le dijo: “Nadie me teme”. Como nadie le temía nadie lo respetaba. Y como nadie lo respetaba nadie le obedecía. El consejero principal meditó un ratito y opinó: “Falta castigo”. Y el emperador sorprendido dijo que castigo no faltaba, porque él mandaba a la horca a todo el que no se inclinara a su paso. Y el consejero principal le advirtió: “Pero esos, esos son los culpables. Si solo se castiga a los culpables, solo los culpables sienten miedo”. El emperador chino pensó y pensó... y llegó a la conclusión de que el consejero principal tenía razón. Y le mandó cortar la cabeza. La ejecución ocurrió en una gran plaza pública, la plaza celestial, la plaza principal del imperio. Y el consejero fue el primero de una larga lista.
Fábricas
Corría el año 1964. Y el dragón del comunismo internacional abría sus siete fauces para comerse a Chile.
La publicidad, sobre todo la publicidad en la televisión, bombardeaba a los chilenos mostrando imágenes de iglesias quemadas, de tanques rusos, de guerrilleros barbudos que secuestraban a los niños y se los llevaban lejos.
Y hubo elecciones. Y el miedo venció.
Y Salvador Allende, el candidato derrotado me contó qué era lo que más le había dolido de esa experiencia dolorosa.
La empleada de la casa de al lado, la casa de al lado de su casa, en el barrio de Providencia, era una pobre mujer que trabajaba veinte horas por día ocupándose de los niños, lavando y planchando la ropa, fregando, haciendo la comida... del día a la noche trabajando sin parar, esa pobre mujer que había envuelto su ropa en una bolsa de plástico y la había enterrado en el jardín, porque tenía miedo de que si ganaban los Rojos le expropiaran su propiedad.
Seguridad
Durmiendo nos vio. En el sueño de Elena estábamos los dos haciendo fila con muchos otros pasajeros en algún aeropuerto, quién sabe cual, porque todos los aeropuertos son más o menos todos iguales. Y cada pasajero llevaba una almohada bajo el brazo. Rumbo a una máquina, que nos esperaba, pasaban las almohadas bajo la máquina y la máquina leía los sueños de la noche anterior.
Era una máquina detectora de sueños peligrosos para el orden público.
Invasión
Tiene pánico a la invasión el país que nadie ha invadido jamás, y que sin embargo tiene la mala costumbre de invadir a los demás.
En los años 80, el peligro se llamaba Nicaragua.
El presidente Ronald Reagan asustaba a la población. Y denunciaba el ¡inminente peligro, la amenaza! de la invasión que iba corriéndose desde América Central, México, vía Texas entrando en los Estados Unidos y apoderándose del país... mientras a espaldas del presidente un mapa mostraba esa Gran mancha roja que avanzaba.. La teleaudiencia espantada no tenía la menor idea de dónde quedaba Nicaragua... Ni sabía que ese pobre país había sido arrasado por una dictadura de medio siglo, fabricada en Washington. Y después, por un terremoto que no dejó nada en pie...
Y esa teleaudiencia asustadísima, tampoco sabía que ese “País Feroz” tenía en total cinco ascensores y una sola escalera mecánica, que no funcionaba.
Diabladas
Hace ya algunos siglos, Martín Lutero advirtió que Satán no está solamente entre los moros, entre los turcos, sino que habita nuestra propia casa. Que satán está en el pan que comemos y en el agua que bebemos.
Y pasaron los siglos y así siguió siendo.
En el año 1982, el demonio tuvo la osadía de visitar al Papa en el Vaticano.
Y cuando el Demonio apareció en forma de becaria en el salón obal de la Casa Blanca... El presidente Bill Clinton no lo conjuró usando ninguno de esos anticuados métodos catolicos de exorcismo, sino que Clinton explusó al maligno arrasando Yogoslavia en una guerra de tres meses.
Guerras mentidas
Las guerras se venden mintiendo, como se venden los autos. Son operaciónes de marketing y la opinión pública es el target.
En el año 1964, el presidente Lyndon Johnson, denunció que los Vietnamitas habían atacado dos buques de los Estdos Unidos en el Golfo de Tonkin. Y entonces el presidente Johnson invadió Vietnam.
Cuando ya la guerra había destripado a una gran multitud de vietnamitas, en su mayoría mujeres y niños, el ministro de defensa de Johnson, Robert Mac Namara, confesó que el ataque del Golfo de Tonkin nunca había existido.
Los muertos no resucitaron. Y en Marzo del año 2003, el presidente George Bush denunció que Irak estaba a punto de aniquilar el planeta con sus armas de destrucción masiva. Eran, según él, las armas más letales jamás inventadas.Y entonces el presidente invadió Irák, cuando ya la guerra había destripado una buena multitud de irakies, en su mayoría mujeres y niños. El propio presidente Bush confesó que las armas de destrucción masiva no habían existido, que esas armas más letales jamás inventadas habían sido inventadas por él.
Cuando, hace ya unos cuantos años, mi mamá me daba instrucciónes para vivir, entre otras cosas me aseguró que la mentira tenía patas cortas.
Pero la mentira tiene patas larguísimas, porque en las elecciónes siguientes el pueblo recompensó al presidente Bush reeligiéndolo.
Un caso muy común
Doña Chila Monti ya tenía unos cuantos años y estaba más cerca del arpa que de la guitarra. Bien lo sabía su hijo Horacio, pero se pegó tremendo susto cuando la vio como la vio: las manos tembleques, los ojos salidos, las piernas flojas que no podían caminar... ¿Qué pasó? ¿Qué pasó?, preguntó el hijo. Y la madre con un resto de voz, la poca voz que le quedaba, alcanzó a musitar: “Me robaron”. El hijo quiso saber qué cosas le habían robado. Y ahí ella pegó un salto y resucitó, furiosa, indignadísima, “Vos bien sabés que no tengo nada yo, ¿Qué cosas me iban a robar? ¡Ninguna! Cómo se te ocurre semejante barbaridad...¿Tengo cosas yo? Bien sabe Dios que cuando me llegue la hora subiré sin nada...” Bueno, bueno, dijo Horacio, pero si decís que te robaron... “Sí, me robaron” ¿Y qué se llevaron? “Las ideas”.
Yo, mutilado capilar
Los peluqueros me humillan cobrándome la mitad. 
Me consuelo recordando la frase de un amigo piadoso que me dijo alguna vez: “Si el pelo fuera importante estaría adentro de la cabeza, no afuera”.
Y también me consuelo comprobando que en todos estos años se me ha caído mucho pelo... pero ninguna idea... Lo que es una ventaja si se compara con tanto arrepentido que anda por ahí.