sexta-feira, 9 de julho de 2010

Finalmente nas mãos dos apaixonados do nosso Vergílio

Chega agora às livrarias o livro Promessa de Vergílio Ferreira, pela Quetzal, em edição crítica de Helder Godinho e Fernanda Irene Fonseca.
Mais um livro que levanta a velha questão discutida sem fim: até que ponto é legítimo editar um livro que um autor optou por não editar? Neste caso há alguns argumentos a favor da edição. Primeiro o autor deixou o espólio muito organizado. Como ele próprio disse, se ele não quisesse que as obras fossem descobertas tinha-as destruído. Como fez Santa-Rita Pintor. Ou tinha deixado instruções para que não fosse publicado. Acho que neste caso devemos ler este livro como ele é: um livro da sua fase pós neo-realista, em transição para o existencialismo (e só por isso é já um documento histórico), um livro que ele amou e depois considerou medíocre.
Não é o grande livro de Vergílio Ferreira, mas é um bom romance-problema. E nesta categoria mais do que ser o melhor, Vergílio Ferreira é único. Tem algumas frases de construção duvidosa e gralhas imperdoáveis numa edição de Helder Godinho, que, a querer manter o texto como o encontrou (o que seria estranho visto ele mesmo ter concluído que o texto que lhe chegou às mãos já teria sido copiado por um dactilógrafo) deveria ter assinalado as mesmas como já presentes no original.
No entanto nada mancha o facto de termos nas mãos do público uma edição crítica como única edição desta obra, o que em muito a valoriza. Normalmente as edições críticas só circulam dentro de um público específico. Aqui e com muito rigor qualquer leitor pode ter acesso a que palavras foras rasuradas, emendadas e acrescentadas pelo autor (entre outras particularidades do texto encontrado) numa terminologia definida pelos críticos Pessoanos. Essa riqueza de conhecimento à volta de um livro começa já a desaparecer com a escrita digital. Neste caso temos um texto dactilografado revisto e emendado pelo autor, sendo que todas as emendas são registadas no final do livro, o que simplifica a leitura.
Como dizem os editores na excelente introdução à obra, esta não é uma obra menor de Vergílio Ferreira nem deve ser vista como tal. É um romance de aprendizagem da personagem Flávio e um romance transitório para o autor. É um ponto a mais na sua obra, que não deverá ser, a meu ver, o romance de quem começa agora a ler Vergílio Ferreira. Mas isso digo eu, que procuro nos autores que leio um caminho ideal entre as suas obras, juízo que dificilmente seria mais subjectivo.
Concluindo: a ler, sim. É o veredicto final.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ai que eles continuam a fazer tudo bem

Alberto Manguel defende como ninguém a leitura. Vale mesmo a pena ler.

Todo o artigo aqui.

Mas nem toda a gente é leitora...
Nem toda a gente é leitora, mas acho que, no fundo, é porque as circunstâncias fazem que não sejamos todos leitores. A possibilidade está em todos nós. O que quero dizer é que suponho que há pessoas que nunca se apaixonam, suponho que há pessoas que nunca viajam, suponho que há pessoas que não têm uma certa experiência do mundo. E da mesma maneira, existem muitas pessoas que não são leitoras. Mas a possibilidade está dentro de nós.
A proporção de leitores numa dada sociedade nunca foi muito grande – seja na Idade Média, seja no Renascimento ou no século XX. Os leitores nunca foram a maioria. Se, por exemplo, todos os espectadores de um único jogo de futebol comprassem um livro, uma tarde, esse livro passaria a ser o best-seller mais espectacular da História da literatura.

Pensa que, para além de não haver muitos leitores, a leitura está a perder terreno neste momento?
O que está a perder terreno é a inteligência. Estamos a tornar-nos mais estúpidos porque vivemos numa sociedade na qual temos de ser consumidores para que essa sociedade sobreviva. E para ser consumidor, é preciso ser estúpido, porque uma pessoa inteligente nunca gastaria 300 euros num par de calças de ganga rasgadas. É preciso ser mesmo estúpido para isso.
Essa educação da estupidez faz-se desde muito cedo, desde o jardim de infância. É preciso um esforço muito grande para diluir a inteligência das crianças, mas estamos a fazê-lo muito bem. Estamos a conseguir destruir aos poucos os sistemas educativos, éticos e morais, o valor do acto intelectual.

É reversível?
Espero bem que sim. Mas receio que piore antes de melhorar. Falando apenas em livros e literatura, as grandes empresas internacionais tomaram posse da indústria editorial e transformaram o acto literário num modelo de supermercado. Mas continua a haver escritores, pequenos editores, há uma espécie de movimento de resistência – que também passa, por exemplo, pela tecnologia electrónica. Isso faz-me pensar que vamos sobreviver... mas não sei se o meu optimismo se justifica.