quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Hospital III: é quase Natal e não está frio e lá fora ainda se vê o rio

Pois é. Às vezes há tanto que tomamos por certo, tanto do nosso quotidiano que tomamos por certo, que já não sabemos o que fazer aos dias se eles não forem nossos. Depois percebemos que eles são de outras pessoas, de outras descobertas, de outros sub-textos que não sabemos ainda que existem. No dia antes de vir para aqui não pedi só para ficar uns dias sem trabalhar. Pedi uma hipótese de parar. De pensar, de pensar outras coisas. De perceber. Uma hipótese de perceber. Nem sabia bem o quê. Porque no atropelar dos dias nunca há hipótese de parar. De me sentar na beira da cama de manhã a ver o rio e pensar janela a janela quem está lá por trás a trabalhar, a acordar.E o Natal é qualquer coisa que nunca soube bem o que era mas que sempre gostei tanto. E agora só me deixam sair daqui o tempo certo de ser muito feliz no Natal. E não é porque saí daqui. É porque vou ter com as minhas pessoas. E porque não há hipótese de isso não ser absolutamente brilhante. E quero fazer coisas que sempre fiz sem ponderar nada. Descer a rua a pé. Beber um café numa esplanada. Correr muito no Samouco até ao rio. Pegar nas crianças e dizer-lhes que ao Natal nunca se falta, como lhes foi prometido. E fazer sonhos com a minha mãe e dizer-lhe que nem me importo de voltar. Que falta pouco para sermos nós outra vez.
E portanto a partir de agora vai ser diferente, minhas caras e meus caros. Não me vou queixar mais. Os meus olhos abriram-se à volta da cabeça e vêem mais longe. E hoje enfeitámos a enfermaria com o T. e a I. e olhamos à volta e é Natal. E à noite a D. trouxe-me sushi, a I. a sobremesa, as amigas trouxeram o Natal ao átrio do elevador. E todos os dias a minha "sala de estar" fica cheia de gente. E preparam-se todos para a minha saída. E o tão ansiado regresso. E são tanta pessoas que todos os dias vão ligando e aparecendo, inês, rita, ana, joana, hugo, lídia, patrícia, nuno, leandro, mãe, pai, mano, avó, raquel, duarte, leonor, afonso, luísa, joana, vera, eurídice, sandra, tiago, francisca, francisco, ricardo, catarina, mário, tia, tio, hipólito, fernando, maria joão, luís, rita, diana, tiago, ricardo, maria, hugo, sara, hugo, sara, joão, célia, sara, inês, miguel, jolanda, ariana, sara, antónio, rita, luís, hugo, ricardo, maria, vanda, carla, sebastião, jorge, ana, carla, lúcia, maria, pedro, catarina, alfredo, maria joão, verónica, ana rita, bruno, tiago, césar, joão, sophia, rita, cristina, vítor, nuno, maria joão, jaime. E tantos mais.
A vocês o que vos desejo a todos é que vejam sempre outras coisas. Sem pressa, nem medo. Para mim foi assustador perceber que aquilo que tomava como certo não era certo. E falo das coisas mais simples mas também posso falar das outras de todos os dias. Mas é bom e vale por tudo. Porque o meu corpo ocupa esta enfermaria toda e, graças a vocês, a maior parte do tempo, sinto-me uma super-mulher. Não há ninguém em lado nenhum como vocês.

Hospital II: ter os amigos debaixo da cama

Não tenho escrito porque não sei o que guardar disto. Guardo o que vem de fora, o que se espera, o que se sabe. Todas as manhãs, quando as janelas se abrem (que não é sempre) ponho a cabeça de fora para me sentir mais inteira no espaço. O frio é parte do que vocês são, das vossas rotinas. Penso que isto não custa, que podia ser pior se eu fosse outra pessoa e estivesse dentro de outra cabeça. Hoje até cantei de manhã e eu nunca canto em casa. E ouvi o Tristão e Isolda do Wagner a pensar neste texto. E nunca faço isso em casa. E comovo-me com histórias que nunca pensei existirem. Histórias que nunca vos vou contar porque nem sei reproduzir. Se já aprendi alguma coisa esta semana é que se pudesse levava estas pessoas todas para casa comigo e lá ia ser diferente. O mundo está cheio de pessoas, em todos os lados. E de histórias que alguém devia escrever nas paredes desta cidade.Depois este canto que nunca mais me deixa ir embora e que já está tão cheio de tantas pessoas, desenhos, amigos imaginários (olha os sintomas...), flores, livros, jogos... As pessoas estão todas aqui dentro, algumas sempre estiveram outras aparecem agora e isto nunca fica apertado. Não há silêncio com as vossas conversas. Nunca houve silêncio. E o descanso só faz sentido sem silêncio e com o tapete debaixo dos pés. E as pessoas são tantas aqui comigo e todos os dias são mais que só oiço o coro das vossas vozes. Preciso só de ânimo para começar a tomar notas. Para não me esquecer. Porque há coisas que não se podem esquecer.
"E um homem não conhece a sua verdadeira ambição até passar por uma tragédia forte, uma tragédia pessoal. Só se sabe olhar depois de se aprender. E olha-se melhor no primeiro momento a seguir ao sono. Ter os olhos fechados é afinar a pontaria, é preparar a iris negra para a rápida claridade que nos foge." (Gonçalo M. Tavares, Uma viagem à Índia)
Não que isto seja uma tragédia. É mais um tropeçar. Um afinar a pontaria. Cada desencanto pode ser visto como uma tragédia pessoal. Se a soubermos reescrever sem pressas nem ansiedades. Se a soubermos ler e entender. A tragédia verdadeira é deixarmos passar por nós estes momentos e querermos esquecê-los.
Comecei este texto com a ideia de vos dizer como está a ser isto, pegunta de todos os dias. Não sei bem explicar. Imaginem-se fechados 10 dias no vosso quarto. Agora imaginem que não é o vosso quarto. É um quarto de hospital. Agora acrescentem das vistas mais bonitas de Lisboa. Acrescentem 6 pessoas doentes no quarto mais uma que todos os dias os médicos dizem ser o último. Agora acrescentem muita comida boa e alguma comida de hospital. Depois os amigos, a família, sempre cá, a fintar enfermeiros, todo o dia. Depois os recados, os telefonemas, os mimos, os textos. Agora acrescentem tempo para pensar, reflectir, ler, ver filmes. Depois acrescentem o poder ajudar pessoas às vezes, rir com as enfermeiras. Acrescentem a Casa dos Segredos, todos os dias, com as enfermeiras e auxiliares e doentes à volta da televisão e a explicarem-me o que se passa que eu estou noutra, escondida atrás do computador. Podia ser tão pior, não podia? Porque o melhor que podia ser há-de ser, gozado a todos os minutos do dia e da noite, aí fora.

Hospital I: um spa na turquia, aka, hospital dos capuchos

As alvoradas são muitas, quando menos esperamos. O sono é leve, como de vigia. Ouvem-se pessoas que fazem sons a dormir ou porque não dormem. Na última alvorada, aquela onde já há luz lá fora abro a janela junto à cama e tenho o rio ao fundo. E a cidade a acordar. O sol nasce por trás de nós. A vista é só esta. Ontem para fazer um exame passei pela rua a pé. Estava fresco e o ar claro. Aqui não entra uma corrente de ar, uma aragem.Ajudo as pessoas como posso, sou a única que se mexe bem neste quarto de 8 pessoas. Não estou doente, ou melhor, não me sinto doente. "Sempre foi saudável até agora?" Perguntaram-me assim que entrei aqui. Sei lá. É doença se não nos dói, não nos transforma? Se só está lá como uma ameaça?
Os dias seguem-se devagar. Ainda não passaram três. Ainda faltam tantos... Tenho livros, revistas, filmes, séries. E as visitas. Aquele ponto mais bonito do dia. Aquele por que não se anseia porque não tarda em chegar e aquele que não se chora porque está sempre a voltar.
No resto do tempo o silêncio, o pensar, ler, ver o sol, as pessoas. Conversar com estas pessoas, ver se já se sentem melhor. Aquele descanso forçado que tanto se pede como se detesta. Estico-me e esqueço. Descanso a cabeça, o corpo, as ansiedades que deixei no banco das urgências. Aqui tudo se passa com calma e alguma melancolia. Sem pressa nem angústia. E depois, claro, há a família como uma máfia das boas que não nos deixa um minuto de solidão. E os amigos que se multiplicam, todos os dias é mais um que aparece, pergunta, quer saber. Cada dia mais um que se preocupa mais do que eu. Que isto não é nada. Vou sair daqui como entrei. Preparada para o Natal, para o ar fresco, para a comida boa (por favor!). Vai ficar alguma melancolia também por sair, que isto aqui já é como uma família.
Por isso malta, toca a preparar o meu regresso. Com calminha que se não a máfia cai-vos em cima. Mas com mimo. E sal (não é sol, é mesmo sal...). E a minha casa. E a vossa. E a vida normal, por favor, a vida normal. Não há nada melhor, meus caros, que a vida normal. Viver todos os dias é a única aventura que vale a pena. Todos os bocadinhos. E não pensem que isto saiu de um qualquer livro de auto-ajuda. É mesmo o que eu acho. Estou ansiosa por voltar.
Obrigada a todos. Com vocês isto é tudo fácil.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

o amor

esse tema universal. não é fácil falar do amor. é só fácil pensar nele. os livros estão cheios dele, a rebentar. mas há uns que nos tiram o pio. hoje estou assim. a pensar que amor e que amores são estes, como é que eles existem e co-existem em pessoas tão pequeninas às vezes (como eu). só sei fazer poemas sobre o amor, não sei falar dele. falta-me o tom, as palavras. creio que este último ano passei-o a perceber o amor. a perceber que temos de amar sem limites os que temos ao pé de nós. temos de nem conseguir pôr em palavras um obrigado por um café numa esplanada quente, uma conversa de livros na bica, um jogo de dardos numa noite de sábado. o amor tem de transbordar. o amor tem forma de animal, de papel de carta, de livro, de pessoa, de roupa emprestada, de casa nova. o amor não tem validade, às vezes está anos inteiros à espera de ser reencontrado. e quando aparece parece que nunca desapareceu. depois há o amor que é só para nós. que nos põe no cimo da pirâmide. que nos equilibra. que nos dá respostas. como o amor do Ernesto Sampaio pela Fernanda, em quem penso desde que acordei.



amor é encontrarmos pessoas estilhaçadas que precisam quem as una. como no Filho de Mil Homens, do Valter Hugo Mão, ou na História do Rei Transparente, da Rosa Montero.



é o Bloom e a sua viagem à índia e as pessoas que encontra.


é um cão e uma menina que nunca tem medo e todas as pessoas que tentam salvá-la.




o amor é simples simples simples. é isto:



é um infinito de histórias e fotografias e paredes lá de casa. são fogos de artifício. é a solidão do fim do dia. é a paz e os livros espalhados na cama sem lugar para voltar, a ocupar a almofada do lado. é o rio. são os jogos de tabuleiro. o bolo de iogurte. o saco-cama. um carro velho quase irmão. uma planta que deixa de caber num vaso. a marmelada. a lareira. a flor seca.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

carta aberta

Se deseja subscrever esta carta aberta, envie-nos uma mensagem para encontro.livreiro@gmail.com com o assunto «subscrevo», indicando nome, profissão, localidade e blogue (se relacionado com o livro e a leitura). Agradecemos toda a colaboração na divulgação junto dos seus contactos entre as «gentes do livro». Obrigado - Encontro Livreiro.

Senhor Presidente da RepúblicaSenhor Primeiro MinistroSenhor Secretário de Estado da CulturaSenhor Representante da República para a Região Autónoma da MadeiraSenhor Presidente do Governo Regional da MadeiraSenhor Secretário Regional da Educação e Cultura da Madeira

No próximo dia 21 de Novembro de 2011 o livreiro Jorge Figueira de Sousa, da Livraria Esperança - «primeiro estabelecimento comercial no Funchal e na Madeira a vender exclusivamente livros» - completa 80 anos de vida.

Continuador de um sonho e de um projecto iniciado pelo seu avô, Jacintho Figueira de Sousa [1860-1932], e mantido pelo seu pai, José Figueira de Sousa [1899-1960], Jorge Figueira de Sousa, nascido no Funchal no dia 21 de Novembro de 1931, continua firmemente no seu posto e é para todos nós, «gentes do livro», um exemplo de vida e uma figura que muito honra a classe profissional dos livreiros portugueses, por vezes tão esquecida, não obstante o lugar central que ocupa no que deveria ser um fundamental desígnio nacional: a promoção do livro e da leitura como alicerce de um País mais culto, logo mais justo, mais livre e mais feliz.

Porque julgamos que o Livreiro Jorge Figueira de Sousa, pelo seu exemplo de juventude, tenacidade e persistência, é merecedor de público reconhecimento, rogamos a V. Ex.as se dignem honrá-lo com a distinção tida por conveniente e justa nesta circunstância.
Encontro Livreiro, 5 de Novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fui ver uma super exposição no CCB

E foi i-na-cre-di-tá-vel. VIK, no CCB até dia 31 de Dezembro. Vik Muniz, um jovem artista brasileiro de 50 anos que cria as suas obras em formatos e com materias não muito usuais: lixo, brinquedos, caramelo, chocolate, diamantes, pó, molho de tomate. Cria formas que fotografa em formato grande e expõe essas fotografias. Não é uma exposição de fotografia e Vik não é fotógrafo, mas a fotografia acabou por entrar nas suas preferências artísticas. Temos assim obras efémeras, fotografadas e imortalizadas. A calda de chocolate demora apenas alguns minutos até solidificar, como exemplo. O pó do aspirador tem de ser trabalhado sem qualquer corrente de ar.
É imperdível, gratuita e em frente ao rio. Não há melhor.
Muitas imagens aqui.



(imagem com diamantes)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

grande tavares. let's do it

Mas Bloom vai fazer coisas, não apenas palavras. Bloom fará coisas que pertencem ao mundo das coisas escritas, ou seja, não feitas.
Porque Bloom sabe bem que só é material e só existe aquilo que pode ser colocado debaixo dos pés de uma mesa para a endireitar.

Gonçalo M. Tavares
Viagem à Índia

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

o meu poema do meu ramos rosa. com parabéns de mais um belo ano.

Estou como se não houvesse mais para dizer que uma palavra
uma interminável palavra
no interminável silêncio
Estou como um cavalo esquelético à beira dum horizonte
perdidos todos os caminhos
Estou no entanto familiar
e rodeado de presenças
Escavo no chão absurdo
e uma pedra dá-me confiança
Na solidão da terra encontro
como o vestígio dum segredo

Poemas Nus (1953-1958)
Viagem Através duma nublosa
Edições Ática

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Odília ou a história das musas confusas no cérebro de Patrícia Portela

estava mesmo a precisar deste livro, assim, exactamente como ele é. ai maravilha!

"Patrícia Portela, conhecida (e reconhecida, nomeadamente com uma Menção Honrosa Prémio Acarte com o espectáculo WasteBand - 2003 e a Menção Especial do prémio da crítica pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro para a Dramaturgia da Trilogia Flatland) pelo seu trabalho na área do espectáculo, surge agora com a sua primeira obra de ficção publicada pela Editorial Caminho - Odília. Com minúscula, odília representa a classe das musas desempregadas e confusas; com maiúscula, é uma específica musa desempregada e confusa que procura, como qualquer ser mortal e normal, o seu lugar no mundo. E conquistar o nosso lugar no mundo é uma coisa difícil! Implica a existência de amigos (Penélope), de amores (obviamente, um poeta), de intrigas (os deuses descobrem que criaram tudo mas não criaram as musas e por isso resolvem roubar-lhes os sentidos), de reflexão (Odília esteve 1003 anos a pensar no seu destino), de coragem (como ultrapassar a teia labiríntica do quotidiano, quando se sofre de labirintite?)… E tudo acontece em simultâneo (ou será antes? ou será depois?) porque nas questões da existência, o tempo é um grande novelo que se enrola e desenrola sem nunca deixar de ser uma bola que entra numa baliza e, em simultâneo (ou será antes? ou depois?) ao grito: Gooooooooooooooooooolllllllllllllllllllllooo!"

Gosto de Clarice Lispector...

... como se não houvesse amanhã.

domingo, 9 de outubro de 2011

Filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe

O valter escreveu sobre a família e zás, toca no meu ponto fraco. Fala de como as famílias se criam e constroem e de como somos mesmo filhos de mil homens e pais de mil homens. Fala de como o amor existe em rede e é também um sentimento de comunidade. É um livro positivo como os outros não conseguiram ser, fala de uma busca pelo sol que acaba numa busca de viagem ao negro e à luz, alternadamente. Mostra-nos os caminhos retorcidos na resposta às nossas escolhas. É um livro de escolhas onde em conjunto a comunidade se ajuda a decidir o melhor caminho. As personagens são como sempre ricas e inquestionáveis, retorcidas e vivas. É um livro que é uma viagem aos quintais daquela gente, à cabeça de pessoas para quem uma galinha gigante é mágica e onde uma anã e um homossexual podem ser fatalmente perseguidos menos pela família que inventaram.
É um livro em bom. Mais um do nosso valter que quis, desta vez, dar um toque de esperança à escrita e mostrar que quando connosco a vida é terrivelmente quotidiana com as nossas personagens podem acontecer milagres. É um livro milagre este. Mas real. Um milagre-real.

ontem estive com a silvina* e foi isto que ela disse

A questão da pertinência da arte é em si própria um problema. A arte deve libertar-se de qualquer "função" portanto a sua pertinência vem do próprio facto de ser impertinente, se entendermos a impertinência como algo que foge a qualquer regra ou convenção. A arte não deve ser útil, ou pertinente, ou relevante de qualquer forma, tem de ser autónoma. Esta automia da arte afirmou-se com o Romantismo Alemão. Foi aí que a arte perdeu o seu carácter utilitário perdendo também as orientações que vários tipos de "autoridade" lhe imputavam, nomeadamente a filosófica e a eclesiástica. Passou a caber ao artista e ao autor defender o que é arte. A partir daí começámos a esperar da arte o inesperado, a arte começou  estar onde antes não imaginávamos que estivesse e o "inesperado" passou a ser uma característica da arte entendida como tal.
A arte procura a estranheza, a libertação da vida não enquanto vida pessoal mas enquanto potência criadora. A arte resiste à opinião, ao senso comum. A arte é anti-estereótipo, contra-evidência. Os artistas modernos são contra o conceito simples de beleza, do agradável e do bem feito. A arte dirige-se sempre o "outro", é um movimento de afastamento e aproximação, quer do artista com o outro quer do outro com o artista.
Jean-Luc Nancy descreveu a arte como "toque", toque enquanto momento de quebra, inquietação, descontinuidade. Não há regras que estabeleçam o que é e o que não é um trabalho artístico. No entanto há um elemento que perturba na obra de arte, esse toque de Nancy, que destabiliza, e que nos indica determinada obra enquanto obra artística.

Blanchot: "Nomeando o possível, respondendo o impossível"

Artaud: "É para os analfabtos que escrevo"

* Silvina Rodrigues Lope: Professora Catedrática do Departamento de Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Livros: Aprendizagem do Incerto; A Alegria da Comunicação (sobre Agustina Bessa-Luís); Teoria da Despossessão (sobre Maria Gabriela Llansol); Agustina Bessa-Luís, as Hipóteses do Romance; A Legitimação em Literatura; Carlos de Oliveira - O Testemunho Inadiável.
Palestra por ocasião do curso "Será a arte pertinente?" no espaço Forum Dança na Lx Factory

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

a morte do autor

Temos os nossos livros viciados. A leitura viciada. Os hábitos viciados. A escrita viciada. Escreve-se nas normas, andámos para trás. Há normas para escrever, para ler, para criticar. Não somos livres. Temos ideias feitas de escritores e poetas, ficção, ensaio, sabemos de  cada autor o que diz, o que pensa, orientação política, vida privada. Nem sempre sabemos o que escreve.
Estamos viciados na ideia de autor. Na caixa do autor. No estilo inconfundível do autor. O autor assassinou os seus próprios textos ao criar uma caixa muito bem decorada e se ter enfiado nela. O autor tem capas bonitas e paginação bonita. O autor vive de prémios e telejornais. O autor veste-se bem e apresenta-se com os seus amigos e editores em lançamentos de livros sem história. O autor dorme bem. Come bem. Dedica algumas horas por dia à escrita, outras à família, outras à vida social. O autor nem precisa muito de escrever mas escrever “abriu-lhe portas”. E isso é bom para o autor. Fica feliz e assim ainda dorme melhor e escreve melhor.
As normas escondem os monumentos de papel, os poemas que cravam espinhos na pele, os livros necessários. Com a morte do autor talvez a arte se reveja melhor em si mesma. Se liberte e se autonomize. Se amantize consigo própria. Se revele revolucionária para dentro. Mude vidas, visões, posturas. Nos dê respostas, nos faça formular perguntas.
Eu não queria matar o autor. Coitado. Mas se tiver que ser, seja.
Com a morte do autor permitimo-nos refazer juntos a  ideia de criação. Se não assinamos o papel ele não é nosso, é de quem o apanhar. A arte vira-se para “o outro” e “o outro” reutiliza-a. Cria outra história. A arte cresce e multiplica-se. E aí o autor também dorme melhor, come melhor. Mas por uma boa razão. Vá, uma razão melhor.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

mais um, este no sítio onde os livros andam à solta




Vamos falar de livros. Vamos falar de Pessoa, Cesariny, Gonçalo M. Tavares, Vergílio Ferreira, Ana Teresa Pereira, O'Neill, Saramago, Soeiro Pereira Gomes, Camilo Pessanha, Valter Hugo Mãe, Natália Correia. E mais. Vamos ser surrealistas, neo-realistas, existencialistas, modernistas, revolucionários, originais e realistas. Vamos saber quem andou por cá e o que por cá se andou a escrever nos últimos cento e muitos anos.

Com Rosa Azevedo

Curso de Literatura Portuguesa séc XX / XXI

1ª sessão - final do século XIX | abertura para as vanguardas do séc. XX
2ª sessão - Modernismo
3ª sessão - Surrealismo
4ª sessão - Neo-realismo | Existencialismo | poesia de intervenção
5ª sessão - Novos autores

2ª feiras, de 31 de Outubro a 28 de Novembro,
das 21h às 22h30, na Livraria Pó dos Livros.
Inscrições: podoslivros@sapo.pt / Tel: 21 795 9339
Curso: 50€

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

o valter / Valter hugo mãe / Hugo Mãe

O último JL traz um magnífico texto de valter hugo mãe, que o coloca numa melancolia e pessoalidade íntima que não tenho visto há uns tempos.
Tenho pensado nele como tenho pensado em "todos" eles. Tenho pensado qual será o sítio dele enquanto escritor. A editora dele e ele próprio trabalharam uma imagem que despoletou no FLIP com uma plateia de 2000 pessoas emocionadas. E com outros tantos mil emocionados por todos o mundo. E essa imagem tem-se tornado maior do que o escritor. A imagem do escritor que comove, que tem 40 anos e quer ter um filho. Não é uma imagem necessariamente negativa, é ternurenta e real. Mas não é mais do que uma imagem. E falar dele não deveria ser falar da sua capacidade de comover o público ou a sua vontade de ter um filho. É a velha discussão do que é mais importante: a vida ou o escritor. E eu nem acredito em importâncias desmesuradas. Nem me incomoda que alguns escritores sejam mediáticos. Talvez isto seja quase uma saudade dos tempos em que era eu e o meu valter. Naquele segredo dos livros dele, na intensidade, nas personagens que nos entram em casa e jantam connosco. Na carne viva. Se calhar é só uma questão de maiúsculas. Se calhar isto são só saudades, deve ser isso. Eu que esmiúço este meio até não poder mais reparo que o valter começa a ser daqueles escritores que alguns não querem ler porque estão cansados da "imagem". Como aconteceu com o Peixoto, como estranhamente (ou não) nunca aconteceu com o Gonçalo M. Tavares.
Vingo-me no Filho de Mil Homens, tão diferente dos outros, e no texto do JL onde ele diz como é que ele é enquanto escritor, sozinho, longe da ribalta, dos lançamentos sem cheiro nem gosto. É um piscar de olho aos leitores.
Em breve falarei do livro mas digo-vos desde já que está a ser em grande. Em bom. Em valter. Ou em Valter.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Nunca antes um sábado tinha tido um post só para ele... mas ele há dias assim!

É no próximo dia 24 de Setembro. Começa pelas 11h da manhã com a Grande Oferta de Livros do Bilbiotecário de Babel, no Monte Agudo. José Mário Silva faz circular livros que tem a mais nas suas estantes, para que outros levem ou troquem.
Às 18h30 o meu querido amigo João Silveira lança um livro, Dever / Haver, na Sociedade Guilherme Cossoul. Tudo em bom, a editora, o espetáculo mas sobretudo o Poeta. Daqueles que têm as letras todas maiúsculas.




Às 21h30 é a vez do valter, na Lx Factory, lançar o seu Filho de Mil Homens. Este dispensa apresentações.




O que eu não dispenso é companhia para este programa. Por isso aguardo inscrições para programa parcial ou total ou truncado. Como quiserem. Fico ansiosamente à espera.

foi assim mais um Para Acabar de Vez com a Leitura

O Cânone ou a vã glória de ler e escrever

Mais um Chapitô, mais uma quarta-feira, cheio de gente boa e conversa que sem microfone se estenderia pela noite toda. Conversas cruzadas, palavras sussurradas pelas mesas. Cada um com o seu cânone. No jantar houve quem dissesse que este tema não era polémico. Que era aceite por todos quem são os grandes autores canónicos. A questão que logo depois começou a surgir e que nos levou a uma agradável conversa dentro do tanque foi que definição é essa de cânone. Houve quem definisse o cânone com o anti-cânone. Porque a tese tem sempre a sua antítese e falar por contraposição pode tornar o tema muito mais divertido.
Tínhamos nomes de grande gabarito, que se portaram à altura. Estava tudo em harmonia, os intervenientes, o público, o tanque, o Chapitô.
Miguel Real iniciou a conversa fazendo uma viagem pelo cânone português pós 25 de Abril. A partir de 1974 o cânone sofreu uma alteração brusca sendo afastados alguns nomes das leituras obrigatórias nas escolas. Pela primeira vez escrevem-se manuais escolares, com indicações de leitura, trazendo à tona autores proibidos e maltratados até essa data pelo regime anterior. Neste caso assistimos ao Estado a interferir directamente na definição de cânone. Nomes como Sousa Costa, Queirós Ribeiro, D.João da Câmara ou Augusto Gil são afastados do cânone e entram nomes como Ferreira de Castro (um escritor muito lido e respeitado já durante o Salazarismo), Cesariny, O'Neill, Herberto Helder, Fernando Pessoa (até aí só se lia a Mensagem), e neo-realistas como Alves Redol, Manuel da Fonseca, Gomes Ferreira. Muitos destes autores estão vivos em 1974, sendo que até aí se convencionava, salvo algumas excepções, que os autores entravam no cânone depois da sua morte, com a sua obra consolidada. Alguns autores desconhecidos até essa data começam agora a ser lidos como Gabriela Llansol, Ruben A., Nuno Bragança ou Yvette K. Centeno.
No pós 25 de Abril o cânone assentava em duas premissas: reflexão e militância. Interessava menos a história que era contada do que um testemunho e reflexão do que acontecia no país, as transformações necessárias e as consequências da ditadura. Queria-se combater o ruralismo do Estado Novo banindo os livros que reflectiam o homem salazarista. Combatia-se o nacionalismo com o cosmopolitismo, o mundo alarga os horizontes e as realidades culturais de outros países entram na nossa literatura. A partir da década de 80 os romances deixam de reflectir Portugal, podendo ou não reflectir outras realidades se bem que uma grande parte deles reflicta somente realidades alegóricas e abstractas. É também nesta década que o cânone "range". Começam a levantar-se vozes contra o cânone do pós 25 de Abril. Luísa Costa Gomes escreve um livro onde afirma que não vai falar do Império, nem do 25 de Abril, nem da Guerra Colonial. Rui Zink edita o Hotel Lusitano onde ataca autores com Barthes ou Deleuze, inquestionáveis até então. Os escritores desintelectualizam a literatura dando-lhe um tom mais ligeiro, jornalístico. Francisco José Viegas escreve sobre futebol e Dinis Machado policiais.
No séc XXI é a escrita que prevalece a cima da história que é contada. João Tordo, David Machado, Gonçalo M. Tavares, Patrícia Portela ou Afonso Cruz lançam-se numa escrita tabalhada, única e original. Brincam com imagens e realidades. São realistas sem serem fiéis à realidade. É sobre a linguagem que assenta a originalidade. Há menos unidade, mais pluralidade.
Maria do Rosário Pedreira intervém discordando de alguns pontos focados por Miguel Real afirmando que o cânone não tem a ver com o presente mas sim com o passado. Os textos da Bíblia foram os primeiros a ser canonizados, por uma autoridade que lhes estava automaticamente atribuída pelo seu carácter sagrado. Depois disso pluralizam-se mas são sempre canonizados por uma autoridade. Existiam três tipos de autoridade: a crítica, a academia e os professores. Para que uma obra seja canónica esta obra tem de ter qualidade não no momento em que é escrita mas numa fase tardia em que é possível observar que essa qualidade se mantém. Uma obra canónica tem de oferecer uma voz diferente e original que muitas vezes traz influências de outras obras, ainda que o possa fazer de forma inconsciente. A qualidade não é no entanto uma característica que garanta a presença de um livro num cânone futuro. É importante que essa obra seja divulgada e lida, pelo que a não edição de um livro ou a edição de poucos exemplares por uma editora pequena pode impedir a canonização. Para Maria do Rosário Pedreira o cânone é volátil, cresce e diminui, muitas vezes orientado por razões extra literárias. Para se ser um verdadeiro escritor este não deve procurar o cânone, deve sim escrever porque lhe é essencial. E ser realmente um escritor, uma vez que assinar um livro não é ser escritor.
Juva Batella inicia a sua intervenção com uma fábula: o professor grilo dá uma aula e o director grilo passa pela sala e ouve. O professor grilo diz que o canto dos grilos é o mais harmonioso de todos, mais do que os cantos dos pássaros que usam a garganta para cantar, o que não faz sentido. O director grilo fica muito feliz ao perceber que nada mudou. Harold Bloom (a partir de agora conhecido como Sr. Haroldo) é como o director grilo no seu livro O Cânone Ocidental. O Sr. Haroldo acredita que o que interessa é a estética numa lista de autores que lutaram contra o esquecimento, normalmente autores mortos, brancos, europeus, homens. Para o Sr. Haroldo o cânone centra-se em Shakespeare (a partir de agora conhecido como Sr. Guilherme), pois o que ele escreve é real e reconhecível durante os séculos seguintes. O cânone é a origem do que hoje está dito e escrito. Juva Batella cita Paul Valery para ilustar esta afirmação: o leão é feito de carneiro assimilado. Na verdade muitos quiseram lutar contra o cânone acabando também por isso por entrar nele, como é o caso de Borges.
Luís Ricardo Duarte fala do cânone referindo a sua viagem do Verão à Islândia. Antes da viagem procurou alguns livros que deveria ler para conhecer o país e pensou nos livros que daria a um estrangeiro numa visita a Portugal. O cânone dele seriam esses livros, um cânone mais volátil. Uma obra canónica cria o seu espaço, surpreende sempre, permite releituras. Deve ser original e único. Os jornalistas culturais fazem o filtro, são importantes para nos orientar e apresentar leituras ou não leituras. Falar de cânone para Luís Ricardo Duarte é falar dos livros que levaríamos para uma ilha deserta, é portanto um cânone mais pessoal.
Nuno Seabra Lopes, no público, coloca uma questão depois de ouvir todas estas intervenções que colocam o cânone em posições tão díspares. Hoje é difícil estabelecer quem é a autoridade. Existe um cânone? Vários? Quem é a autoridade? Eurídice Gomes, moderadora responde que hoje em dia, com o mercado que existe, é difícil estabelecer um cânone e que o melhor talvez seja pensarmos no cânone temporalmente, à distância, e não nos dias de hoje. Juva Batella defende que não existe uma única autoridade, que o cânone é definido por todos os que hoje em dia falam dele, inclusive nós no tanque do Chapitô. Acrescenta ainda que para entrar no cânone temos de lutar com ele de igual para igual, como Borges fez. Luís Ricardo Duarte defende que deveria ser a Universidade, como foi em tempos, a definir o cânone. No entanto admite que hoje essa canonização está mais díspar. Aníbal Fernandes, tradutor, cria um cânone próprio na selecção de obras a traduzir e estabelece o cânone para aqueles que o admiram e respeitam as suas escolhas. No entanto defende ainda que os livros fazem um caminho que nem sempre depende totalmente da sua autonomia e qualidade. A literatura islandesa não está mais divulgada pela dificuldade da língua.
A sessão terminou com chave de ouro quando Andreia Moreira pede aos cinco do tanque que lhe sugiram um livro do seu cânone. Luís Ricardo Duarte sugeriu a Odisseia ou a Ilíada e O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzatti. Maria do Rosário Pedreira sugere as Obras Completas de Yeats. Eurídice Gomes sugere Aventuras de João Sem Medo de José Gomes Ferreira. Miguel Real a Viagem à Índia de Gonçalo M. Tavares. Juva Batella diz que até podia sugerir livros do Sr. Guilherme mas que não o vai fazer e fala do Sargento Getúlio do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro e a Ovelha Negra e Outras Fábulas de Augusto Monterroso.
Foi uma noite boa. Descobrimos que a questão é mesmo a referida no início: o que é para cada um o cânone. Quando é que podemos falar de cânone. O cânone é nosso? É instituído por quem?
Como em qualquer boa sessão, não chegámos a nenhuma conclusão, ficámos só a saber mais.
Um bem haja ao Chapitô, mais um. Um bem haja ao  público presente. E um maior bem haja aos nossos queridos convidados que tanto nos fizeram discordar e pensar. É esse o caminho do Para Acabar de Vez com a Leitura.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Ilha de Sukkwan, David Vann


David Vann tinha 13 anos quando o pai lhe pediu que passasse um ano com ele no Alasca. Profundamente deprimido, talvez tenha visto neste convívio com o filho alguma espécie de redenção e salvação. David recusou, era muito novo e teria de deixar a mãe, a irmã e os amigos para ir viver num ambiente do qual imaginou que não sairia ileso. Duas semanas depois o pai suicidou-se e David durante muitos anos levou consigo a ideia de que teria sido o culpado da morte do pai. Anos mais tarde resolve escrever A Ilha de Sukkwan, onde imagina o que teria sido se tivesse ido esse ano para o Alasca. A uma primeira vista podemos pensar, e não pensamos mal, que este livro é uma obra de redenção. Mas esse pensamento é limitativo, o livro é muito mais do que isso. É uma viagem psicológica pela ideia de David Vann do "se". E uma legitimação da escolha de alguma maneira. De uma salvação interior.
Não posso falar mais sobre o livro porque os meandros dessa viagem têm mesmo de ser lidos. Li outras críticas ao livro e sinto que há uma espécie de segredo entre os leitores da Ilha de Sukkwan. E vou manter assim. Com a vontade de uma conversa de café sobre Jim e Roy e sobre esta ilha sufocante e envolvente e, no limite, reveladora do mais cru e negro da relação de um pai com o seu filho.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

CURSO DE LITERATURA PORTUGUESA SÉC. XX


com Rosa Azevedo
Storik | Rua do Alecrim 30B - 30D, Lisboa
5ª das 19h30 às 21h
de 15 de Setembro a 20 de Outubro

50€

1ª sessão - final do século XIX | abertura para as vanguardas do séc. XX
2ª sessão - Modernismo
3ª sessão - Surrealismo
4ª sessão - Neo-realismo | Existencialismo | poesia de intervenção
5ª sessão - Novos autores
6ª sessão - balanço e jantar

Inscrições: rosa.b.azev@gmail.com

http://senhor-teste.blogspot.com/

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O CÂNONE OU VÃ GLÓRIA DE LER E ESCREVER - Para Acabar de Vez com a Leitura

"Melhor seria, talvez, que os poetas fossem anónimos, dizia aquele que não nos atrevemos sequer a não citar, não nos caia o céu em cima das cabeças.
O senhor Borges, por questões que se atêm à biologia da espécie, não poderá estar no tanque do Bartô para se defender, mas faremos os possíveis para continuar a citá-lo, com ou sem razão para tal.


Ulisses, Beatriz, Dom Quixote, Madame de Bovary, Gregory Samsa, Leopold Bloom... Água..., oxigénio,carbono, hidrogénio, ficções: uns mais, outros menos, mas todos integramos na nossa constituição, na nossa humanidade, na nossa vitalidade, a necessidade da narrativa. Por ela fizeram-se guerras, revolucionaram-se sociedades, instituíram-se costumes, mudaram-se leis. O cânone literário integra o tecido vivo do legado imaterial da humanidade e ignorá-lo seria como rejeitar o oxigénio que nos dá vida.

Nesta sessão do PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA, perguntamos aos nossos ilustres convidados, Maria do Rosário Pedreira, Miguel Real, Ricardo Duarte e Juva Batella, quem são, afinal, os santinhos da literatura? E como chegaram os ditos ao nosso altar? O que ler e porquê; como sobreviver nesta dupla ficção que é o cânone literário?"
14 de Setembro
21h30
Chapitô

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

a revolução nunca estará fora de moda

Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada com cães. Mas é impossível tirar-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro - nunca sairá um escravo.
Cesariny



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

o grande vila-matas



o primeiro foi para mim, o segundo para o meu irmão. uma leitura gémea de um sempre grande escritor. mas este é especial. como se todos os temas e situações que vão surgindo estivessem ligados comigo. intertextualidades, muitas. comigo, com jantares, com histórias, com conversas. deixem-me acabar de ler e falo-vos mais disto. promete. é uma pérola so far!

mais aqui. uma entrevista aqui.

aqui a crítica.

"Vila-Matas, não se afastando da forma tradicional do romance psicológico (e também de ideias), conta-nos a história de Samuel Riba, homem de sessenta anos, judeu por parte de mãe, que gosta de se ver a si próprio "como o último editor" culto e literário. Para evitar a falência, fechou há dois anos a editora em que ao longo da vida foi construindo um prestigiado catálogo. Numa recente viagem a Lyon, Riba (assim é conhecido no mundo literário) conseguiu fabricar uma teoria geral do romance, assente em cinco pontos, e inspirada no livro de Julien Gracq, "Le Rivage des Syrtes". Apesar de tudo, na sua vida continua a lamentar não ter "descoberto um autor desconhecido que tivesse acabado por se revelar um escritor genial"; e este génio é ao longo do livro uma espécie de presença fantasmagórica.[...]
Para ele, a literatura como um organismo vivo, tinha chegado ao topo da sua vitalidade com o "Ulisses" de Joyce, e agora conhecia "o começo da dura decadência da forma física, o envelhecimento, a descida ao molhe oposto do esplendor de Joyce, a queda livre em direcção ao porto das águas turvas da miséria, aí onde nos últimos tempos, e desde há já muitos anos, passeia uma velha prostituta com uma coçada gabardina irrisória, na ponta de um molhe varrido pela tempestade e o vento."
Então, Riba tem a ideia de ir a Dublin no "Bloomsday" (mais uma viagem literária, como são todas as de Vila-Matas) fazer o elogio fúnebre da "era Gutemberg". E inspira-se, obviamente, nas cerimónias de passamento do célebre sexto capítulo do "Ulisses", de Joyce, em que a personagem Bloom, às 11 da manhã do dia 16 de Junho de 1904 (o "Bloomsday"), participa juntando-se ao grupo que vai ao cemitério despedir-se do "morto do dia", e atravessa Dublin num carro onde vão Dedalus, Cunningham e Power, que olham Bloom como se este fosse um forasteiro, sabendo-o judeu e mação. Samuel Riba (o Bloom de Vila-Matas) faz-se também acompanhar a Dublin por três amigos, todos escritores."

José Riço Direitinho
 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ele fazia hoje 88 anos



o nosso cesariny fazia hoje 88 anos. estou aqui a olhar para este computador e esta página em branco e não consigo falar dele. só me vêm à cabeça palavras do Autografia. e por isso deixo-vos o Autografia. e o statement de que sinto mesmo amor pelos poemas e pinturas do cesariny. mesmo amor, à séria, daquele que damos apenas com peso e medida. daquele amor que cada livro que lemos sua as estopinhas para conseguir um pequeno rasto. um resto, um rasgo, o que seja. e em forma de parabéns leiam este poema devagar. no meu último workshop de surrealismo apresentei este poema e podíamos estar (e quase estivemos) longas horas a partilhar leituras. Todos tinham leituras diferentes e eu que o sabia de cor descobri leituras muito diferentes da minha. é isto o cesariny!

Autografia
sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

bela bela bela entrevista bela bela

"Nenhum ser humano difere tanto de nós que não o possamos entender" 

Como captou aquele universo? Eu acho sinceramente que nós temos as respostas para todas as preocupações das pessoas. Somos seres humanos. E nenhum ser humano difere de nós tanto que não o possamos entender. Intensificando as questões nós encontramos as respostas cá dentro. E através disso colocamo-nos no lugar dos outros. Acredito que esta espécie de inteligência emocional nos permite chegar ao lugar do outro. Eu parti para aquele livro, a partir de um episódio passado num café, em que alguém disse: " Detesto esses gajos, detesto ucranianos e detesto brasileiros". Foi tudo tão liminar e aquilo agrediu-me. E lembro-me de na altura pensar: "deves chegar ao fim do dia muito cansada por odiar tantos milhões de pessoas". E achei que aquela questão me interessava, ainda por cima somos um país de fazer estrangeiros lá fora. Depois, tive uma conversa com um rapaz de 14 e uma conversa menor com um rapaz de 18. E foram os ucranianos que conheci melhor. Só depois de ter publicado o livro é que os ucranianos se aproximaram. Um, em Lisboa ofereceu-me um colar da sorte. E eu fiz-lhe uma pergunta que era muito importante para mim: "Se o meu livro respeitava o povo dele?" e ele disse-me que sim. Ele emocionou-se e eu também.

Por falar em livros, o próximo chama-se "O filho de mil homens". É assim? Sim, é.

Está escrito? Está acabado e vai sair em Setembro. Vai entrar em impressão nos próximos dias. Estamos a terminar a capa.

É uma obra com muitas personagens, com poucas, mais focado? Tem muitas personagens. Acabo sempre por criar uma boa vizinhança.

É autobiográfico? Não é. Mas parte de uma premissa que coincide comigo. Não tive filhos e quero ter filhos. E vou fazer 40 anos e o Crisóstomo, a personagem principal, vai fazer 40 anos. E o Crisóstomo anda muito angustiado. Eu não posso dizer que ando assim tão angustiado. No Brasil, devem ter achado isso. Mas é uma coisa que começo a perceber agora. A falta dos filhos atinge-me.

É uma falta sentida recentemente? Surgiu há coisa de dois, três anos. Antes adorava as criancinhas nos colos dos papás, mas achava que não tinha condições de organização para cuidar de alguém, que me ia esquecer dele. Subitamente, parece-me que não é assim, que não me ia esquecer de lhe dar de comer.



(valter hugo mãe)

tudo para gostar aqui. e atenção aos comentários. a mim não me desgosta que haja tanta gente que ainda não o percebeu. dá-me um certo gosto de piscar de olhos. 

belo início de Dublinesca. belo vila-matas.

Pertenece a la cada vez ya más rara estirpe de los editores cultos, literarios. Y asiste todos los días conmovido al espectáculo de ver cómo la rama noble de su oficio -editores que todavía leen y a los que les ha atraído siempre la literatura- se va extinguiendo sigilosamente a comienzos de este siglo. Tuvo problemas hace dos años, pero supo cerrar a tiempo la editorial, que a fin de cuentas, aun habiendo alcanzado un notable prestigio, marchaba con asombrosa obstinación hacia la quiebra. En más de treinta años de trayectoria independiente hubo de todo, éxitos pero también grandes fracasos. La deriva de la etapa final la atribuye a su resistencia a publicar libros con las historias góticas de moda y demás zarandajas, y así olvida parte de la verdad: que nunca se distinguió por sus buenas gestiones económicas y que, además, tal vez pudo perjudicarle su fanatismo desmesurado por la literatura.

Samuel Riba - Riba para todo el mundo - ha publicado a muchos de los grandes escritores de su época. De algunos tan sólo un libro, pero lo suficiente para que éstos consten en su catálogo. A veces, aunque no ignora que en el sector honrado de su oficio quedan en activo algunos otros valerosos quijotes, le gusta verse como el último editor. Tiene una imagen algo romántica de sí mismo, y vive en una permanente sensación de fin de época y fin de mundo, sin duda influenciado por el parón de sus actividades. Tiene una notable tendencia a leer su vida como un texto literario, a interpretarla con las deformaciones propias del lector empedernido que ha sido durante tantos años. Está, por lo demás, a la espera de vender su patrimonio a una editorial extranjera, pero las conversaciones se encuentran encalladas desde hace tiempo. Vive en una potente y angustiosa psicosis de final de todo. Y aún nada ni nadie ha podido convencerle de que envejecer tiene su gracia. ¿La tiene?

 Dublinesca

Enrique Vila-Matas

Debolsillo, 2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

carta da senhora Émile Teste

(em resposta às conversas estrada fora sobre o que é isto de ler)

Como sabe, [o Senhor Teste] raramente lê qualquer coisa com os seus olhos; dá-lhes um estranho uso e como que interior. Ou direi, por outra, particular. Mas não, nada disto. Não sei com exprimir-me; admitamos que ao mesmo tempo interior, particular e... universal!!! São belíssimos, os olhos dele; gosto que sejam assim, maiores um pouco do que tudo o que é visível. Nunca sabemos se há coisa que lhes escape - ou pelo contrário - para ele o mundo não é simples pormenor de tudo o que vêem, mosca-volante que pode obcecar-nos sem existir.

Senhor Teste,
Paul Valery

Edições Antipáticas

eles são importantes e nós gostamos deles.
publicaram isto (ler, ler, ler):

http://www.scribd.com/doc/39121516/Appel-Edicoes-Antipaticas

e isto (é grande):


e isto:







e mais coisas.
e vende-se aqui, um sítio onde devemos ir sempre para sermos antipáticos, vermos cinema em bom, bebermos moscatel em bom e outras coisas boas.
há livros que não devíamos deixar escapar.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

que isto são sensações de angústia

que isto são sensações de angústia. cansaço de palavras como flores. vida calma, paz e tranquilidade na escrita. é preciso outras coisas. é preciso artaud, al berto, valery, rimbaud. preciso de rimbaud e de pensar nas vontades que ele teve com aquelas mãos e que pôs tudo impiedosamente em papéis soltos e iluminados. é preciso testar. e é tão preciso saber dizer como LER. LER LER LER LER. não passar os olhos sobre manchas de tinta. é preciso emprestar livros, manchá-los de café, ouvir as capas a rasgar, colar lentamente as capas com fita-cola barata ao som da música de todos os dias. é preciso inventar carimbos para os livros para os ir escrevendo até à última leitura que treme por uma que será, aí sim, quem sabe, a última.

temos de nos desconfortar. amantizar. problematizar. desconformar. desrealizar. des-saber. desdizer.
angustiar. desensinar. desescrever.

porque escrever não é juntar letras. é saber dar horas de conversa com uma garrafa de vinho, e perder um pouco do sono de noite. e de dia. escrever é pedir-nos desesperadamente que percebamos todas as palavras mesmo que para isso tenhamos de desaprender cada uma das letras.

insaciem-se.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

just kids, de patti smith

gosto da patti smith. e gosto do "deixa-os que são apenas miúdos". e gosto do robert mapplethorpe. gosto do hotel chelsea. gosto de nova iorque, muito. gosto daquela(s) amizade(s). quero sê-los a todos e viver nos limites do dinheiro mas no auge de mim. quero escrever poesias e encher as paredes de desenhos. quero ter à escolha cachorros quentes ou contas para fazer um colar. quero ter na mala um portfolio e mais nada. quero ter as roupas como se fossem personagens. quero não ter nada e só ter pessoas e uma guitarra em segunda mão. quero esta vida e a minha com estas mesmas arestas. quero o just kids na mala de todas as pessoas para perceberem que antes da morte existe a vida. e ela constrói mãos que nos tapam os buracos do chão.

Apenas Miúdos
de Patti Smith
Vencedor do National Book Award
Edição/reimpressão: 2011
Páginas: 344
Editor: Livros Quetzal
ISBN: 9789725649565
Colecção: Serpente Emplumada

esta malta vem arrasar esta cena toda

http://senhor-teste.blogspot.com


Primeiro Teste

Num mundo em que o Leitor é tido como lunático, romântico e terrível criatura em vias de extinção; o Sr Teste propõe uma resistência pacífica mas não passiva. Simples , não simplista. Criar uma comunidade de Leitores em que a escrita e a leitura ainda são tidas como mui nobre e antiqua arte. Ler como respirar. Ler como descodificar. Ler como decifrar. Não só livros. Não só música. Não só objectos. Mas ideias. Corpos. Rostos. Olhos. 
O Sr Teste sugere aproximações. O Sr Teste sugere conhecimento. O Sr Teste sugere comunicação. O Sr Teste sugere cruzamentos.

Teste sugere explosão Teste sugere partilha Teste sugere brilho nos olhos Teste sugere liberdade Teste sugere sol Teste sugere pensamento Teste sugere passeio Teste sugere trabalho Teste sugere canetas bic pretas Teste sugere felicidade Teste sugere paz Teste sugere ténis coloridos Teste sugere poesia Teste sugere vida Teste sugere sensibilidade Teste sugere perspectivas Teste sugere começar tudo de novo Teste sugere sorrisos Teste sugere uma torre na bica com vista para o tejo Teste sugere vegetais Teste sugere não comer pão do dia anterior Teste sugere tempo Teste sugere sagrado Teste sugere dentadas Teste sugere som Teste sugere rodopio Teste sugere dormir Teste sugere acordar Teste sugere força Teste sugere resistência Teste sugere palavras Teste sugere deslumbramento Teste sugere erro Teste sugere coragem Teste sugere alucinações Teste sugere acordar às 4am e passear por Lisboa Teste sugere observação do senhor do jardim do príncipe real a dar de comer aos pássaros Teste sugere técnica Teste sugere improviso Teste sugere atenção...atenção...atenção...pois se estamos rodeados de sinais...devemos ler.


No entanto isto é só um Teste entanto isto é só um Teste isto é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste 
e-mail para cenas e tal e muitas outras coisas:  assimparece@gmail.com

a dulce maria cardoso...

... não chega ao sítio certo. talvez há uns anos o Chão dos Pardais enchesse algumas das minhas medidas. podia ser que sim. mas hoje não pode ser. desde que do nosso chão rebentam cogumelos de genialidade, desde que outros génios nos chegam por vias tão à mão, é preciso ser mais. é preciso dar estaladas a quem lê as nossas linhas. é preciso dizer asneiras das feias cada vez que uma linha nos faz saltar da cadeira. é preciso. peço desculpa aos escritores que nos fazem festinhas no braço e nos fazem passar um "bom bocado" ao sol na praia. para mim já não dá. já não chega. já não quero.
digo desde já se suscitei algum tipo de comichão a algumas pessoas que não é um mau livro. não é. só não é um livro suficiente. para mim claro. mea culpa, certamente.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

numa altura em que sou toda sorrisos só consigo juntar histórias destas no meu casulo. dos textos mais bonitos ditos pelo senhor mais bonito de todos. percam estes sete minutos que são açucar derretido. o valter outra vez.

o valter e o reino da infância. o nosso reino.

tenho de falar de o nosso reino de valter hugo mãe

fala de uma criança com a alma torcida pela fé. torcida e iluminada, como quem acredita que é santo e que é inegável que nada é casual. que a vida não se vive sem um gesto atento dos enviados de deus. este livro fala-nos do benjamin que vê o desenrolar trágico da sua aldeia e sente que os seus olhos, gestos, vontades e desejos têm um poder nunca antes sequer imaginado nas mais torcidas lendas religiosas. e benjamin quase podia ter sido uma criança normal se não acreditasse neste seu poder de escrever a história sempre trágica. e o benjamin é a "criança mais triste do mundo" sobretudo porque é uma criança que ama desmesuradamente todas as pessoas de quem não pode acreditar infinitamente na salvação. a sua mãe, a sua tia pecadora, a professora que conversa com ele em cima do telhado da escola, a germana que desenha corações na praia onde cabem os dois lá dentro, o manel, melhor amigo, santo como benjamin, filho da primeira de muitas tristezas. é um livro triste sim, mas um livro sobre o poder que temos sobre as vidas uns dos outros, sobre o modo como temos todos os braços entrelaçados e tomamos conta das mãos uns dos outros. mais uma vez o valter ensina-nos a existir. a perceber. a "guardar tudo no peito e começar a perceber".
e é aquela escrita que é vento, magia, uma tempestade. um sobressalto a cada palavra. uma verdade a cada final de frase. o valter é muito grande. este livro é muito grande. é escuridão e uma salvação intrínseca. e chegar aí é, claro e sempre, muito raro. 

quinta-feira, 14 de julho de 2011

foi assim no chapitô, para acabar de vez com a leitura

ontem falou-se de livros no chapitô. mais uma vez. e de livreiros e de leitores. ali éramos todos leitores, alguns éramos livreiros, outros tínhamos sido livreiros, outros queriam ser para sempre livreiros, um certo tipo de livreiro, o nosso tipo de livreiro.
claro que não houve grandes conclusões, nem era para haver. a leitura está bem e recomenda-se. um grande passo para a leitura é haver livros e esses cada vez há mais. e não é correcto, de todo, dizer que há cada vez mais livros maus. há também cada vez mais livros bons. editoras como a Ahab ou a Cavalo de Ferro vieram transformar todo o panorama. há livros mesmo muito bons, e muitos deles, apesar de discretamente, também chegam ao top.
hoje não me apetece ser fatalista porque, primeiro, tento nunca o ser, e, depois, porque ontem levámos uma lição "daquelas". fatal não é acabarem os livros em papel porque como diz o nosso querido livreiro velho "eu não vendo papel", e, no limite, ao haver livros electrónicos para além dos livros em papel, há mais livros.
agora não me lixem, o livreiro tem uma missão. e se bem que ontem essa missão não tivesse sido directamente lançada para o colo dos espectadores apesar de muito se ter especulado sobre ela, a verdade é que o comentário que um espectador fez ia contra premissas que estavam a ser defendidas no tanque: "queremos dar ao leitor o livro que nós queremos ler ou o livro que ele quer ler?". a resposta só podia ser uma: queremos dar-lhe aquilo que ele quer, que muitas vezes é que lhe demos aquilo que queremos ler.
um livreiro tem de vender, será sempre verdade, mas haverá alguma razão para que o joaquim não venda seguros ou maçãs. "apesar de". haverá sempre um "apesar de". apesar de o mercado estar difícil, de as vendas estarem difíceis, e tudo e tudo e tudo. livros são livros, caramba. e isso ninguém lhes tira. nem nos vencem pelo cansaço, que o cansaço às vezes também alimenta. e isso viu-se ontem naquelas 50 pessoas que ouviam e falavam. há ainda muito a dizer, a discutir, a reflectir. "apesar de".
um bem haja a todos os que estiveram, os que quiseram estar e os que hão-de estar. e até setembro!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Socorro! Onde está o meu livreiro?

13 DE JULHO (próxima 4a feira)
21h30
Bartô do Chapitô, em Lisboa





cá estamos nós na terceira sessão do PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA, desta vez dedicada a isso mesmo, à leitura, com o título Socorro! Onde está o meu livreiro?.
Vai ser uma boa sessão, vou estar entre amigos, adivinha-se uma conversa descontraída com muitas surpresas e boa disposição. Quero-vos todos lá, onde vamos falar disto:

“No metro, nos correios, junto da banca das couves no supermercado, ele é ver livros brotar dos recantos mais insuspeitos e, estranheza maior, leitores que chegam ao balcão dos correios empunhando contas de electricidade e sérios tomos de auto-ajuda.
Restam poucas dúvidas de que pisámos, aqui, uma linha limítrofe. Mas limítrofe de quê? Que princípios culturais são estes que regem a compra e venda de livros?
As vendas tomaram de assalto a indústria do livro e o leitor foi elevado à condição de consumidor. A quantos de nós, leitores, nos perguntaram editores, livreiros ou autores, o que gostaríamos de ler? Será que nos revemos verdadeiramente nos escaparates atolados de novidades ou que as nossas escolhas estão, hoje, mais condicionadas que nunca pela abundância de oferta e ausência de aconselhamento? Onde está o meu livreiro? Quem é o meu editor? Por que comprei este livro?”


Convidados: Ricardo Ribeiro, Joaquim Gonçalves, Pedro Vieira, Luís Guerra
Moderação: Rosa Azevedo

sexta-feira, 1 de julho de 2011

encontrei a beleza aqui escrita, com todas as palavras

Nunca soube escrever sobre livros. Escrever aqueles textos onde dizemos o que é muito-bom-porque-é-parecido-com-qualquer-coisa-ou-mau-porque-é-qualquer-outra-coisa. Não sei dar notas, nem pontos, nem estrelas. Sei pegar em livros, passá-los para a mão de outros e dizer "lê". É também assim com Afonso Cruz. Mas com o Afonso uma só palavra não chega. Sobre este livro, Pintor debaixo de um lava-loiças, a primeira descrição que ouvi foi: "é daqueles livros onde sublinhas todas as frases". E é. A história do pintor Josef Sors, a história de amor da infância, onde o baloiço é o mote ("o mundo inteiro puxa-nos para baixo, mas as mãos de quem gosta de nós atiram-nos para cima"), com Frantiska, "símbolo do infinito, um oito preguiçoso".
Conta a história da viagem do pintor até à I Guerra onde descobre que "para ganhar uma guerra há duas condições: não morrer e não matar.". A viagem até aos Estados Unidos, depois de volta a Bratislava, depois para a Figueira da Foz. É a história de um pintor que quase não vê, não vê a luz e as cores fortes. É a história de um pintor que desenha olhos. Abertos e fechados. Um pintor que se deita no chão porque o amor é como uma casa sem tecto,  quando se olha para cima só se vê o céu. E porque não podemos andar sempre de pé para que aqueles que já morreram não estejam sempre a ver o alto da nossa cabeça e sim os nossos olhos. E é uma história de uma família. De um pai morto por não "perceber poesia". De uma mãe que finge que, à mesa, eles haviam sempre de ser três.
E é uma história de amizade e resistência (e que falta nos fazem histórias de resistência), de uma família que esconde um pintor judeu debaixo do lava-loiças.
Este livro é de uma beleza inexplicável. Cada personagem, cada palavra, cada título, cada ilustração.
E como epílogo (golpe de misericórdia para quem como eu se vinha comovendo devagar página a página) o Afonso conta-nos o que de real existe nesta história. E são páginas como flores na cabeça do coronel. E música. E ter vontade de escondê-los a todos debaixo do nosso telhado. E ao Afonso também.
São livros destes que me fazem perceber isto de estar aqui, sempre tão prisioneira das palavras.
Obrigada Afonso.

terça-feira, 28 de junho de 2011

cá estamos nós, desta vez em Cascais


MÉTODO DeROSE, CASCAIS

Travessa Emídio Navarro, nº 6, 2750-493 Cascais


2 e 9 de Julho (sábados)

das 15h às 17h30

50€

1ª sessão:  final do século XIX | abertura para as vanguardas do séc. XX | Modernismo | Surrealismo

2ª sessão:  Neo-realismo | Existencialismo | poesia de intervenção | Novos autores

Inscrições:
rosa.b.azev@gmail.com

Gato na Lua

Nasceu uma nova editora bonita, a Gato na Lua. Gosto de ver novas editoras para crianças a nascer, e esta começa com uma aposta em grande: O meu Balão Vermelho de Kazuaki Yamada. No entanto confesso que um livro pelo qual me perdi de amores é o outro livro da editora, O Lobo Culto. Muitas vezes, enquanto trabalhei na livraria, li este livro para me deliciar com o lobo que aprende a gostar de livros para ganhar um grupo de amigos. Mais informações sobre este novo projecto em www.gatonalua.pt.

terça-feira, 14 de junho de 2011

PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA



















2ª sessão: "Vem aí o e-book... Deito fora os meus livro?"

Carlos da Veiga Ferreira, José Mário Silva e Nuno Seabra Lopes, no tanque do Chapitô, conversam sobre o passado, o presente e o futuro do livro e leitura.

"Que diria Gutemberg do e-reader? Provavelmente, o mesmo que diria da imprensa o escravo egípcio de castigo a gravar hieróglifos na Pedra de Roseta...
...O e-book já chegou e a indústria das estantes não anda doida com a ideia. Que fazer aos livros? Deitá-los fora, e com eles as provas de que, um dia, tentámos perceber alguma coisa do mundo? O advento do livro virtual, diz-se, mudará a forma como se lê e escreve. Mudará a forma de fazer cultura e de a divulgar. Mas o que muda, ao certo? Que tanto nos incomoda e atrai nesta virtualidade que tardava, já, em chegar aos livros.
Um escritor, um jornalista, um editor e um consultor editorial falam-nos de mitos e factos, esperanças e receios associados a esta (ir)realidade. A nós, meros plebeus da cultura, cabe-nos a responsabilidade de perceber o que fazer com os nossos livros."

Já amanhã, dia 15 de Junho, 22h, no Bartô do Chapitô!