terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O Grupo Surrealista de Lisboa: da formação às dissidências

resumo da comunicação proferida no Congresso Surrealismo(s) em Portugal, Nov 2013
  
Começo por avisar que a minha comunicação pretende desmistificar ou mesmo desvalorizar o seu próprio conteúdo. A existência de um grupo Surrealista é sobrevalorizada face ao cenário surrealista português muito maior e mais abrangente. 

O Grupo Surrealista Português existe apenas porque surgiu a determinada altura a necessidade de trazer para Portugal o termo surrealismo, passando o surrealismo a existir quase por decreto. António Pedro já se tinha envolvido com o movimento surrealista inglês (1936) e começa a referir o movimento em Portugal. Publica em 1941 Apenas uma narrativa uma antologia de textos automáticos, algo absolutamente inédito no país. Para além disso alguns dos futuros membros do movimento surrealista português conhecem Breton e trazem as ideias do surrealismo francês para cá.

O grupo de alunos da escola António Arroio que por volta de 1942 se começa a juntar no café Hermínius tinha já em comum uma série de ideias que se aproximavam das ideias dos surrealistas franceses, sobretudo. Acreditavam na necessidade da criação de uma supra-realidade porque a realidade existente não era material artístico satisfatório. Para aí chegar teriam de afastar a razão para chegar a uma arte pura, longe de estereótipos e preconceitos. Preconizavam o fim da ditadura da razão. Ramos Rosa definia esta poesia como “ilegível mas não inaudível”, ou seja, imagens que não fazendo um sentido real e palpável criassem através do acaso ou da sensação um poema significante no leitor transformando-o numa parte fundamental e imprescindível da escrita.

Estes artistas não acreditavam que a arte fosse de elites, estaria por isso ao alcance de todos. Não queriam uma elite, não acreditam na separação entre arte e pessoas, não se queriam fechar em regras de arte ou dogmas relacionados com a história da literatura – ser surrealista era uma forma de ser e de estar na arte, não algo que se decida ser. Cesariny: "Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!"
Em 1942 já se reuniam algumas pessoas no café Herminius, alunos da António Arroio e em 1947 forma-se o primeiro grupo surrealista, o Grupo Surrealista de Lisboa. Em 1948 deram-se as primeiras discussões dissidentes. Havia vários surrealismos, mas Cesariny defendia nesta altura que o Grupo não parecia defender o que ele denominava surrealismo literário que defendia a absoluta liberdade de criação, a autonomia de cada um face à supra-realidade que procurava e o não prender-se a qualquer convenção. Este surrealismo torna-se então incompatível com a ideia da existência de um grupo, ou seja, a existência de um grupo não trazia nada de novo, apenas impedia a livre criação, sem preconceitos, onde cada artista deveria ser absolutamente diferente do outro. A revolução possível seria sempre uma revolução interior e pessoal e não uma revolução exterior, só assim seria possível chegar à revolução exterior que almejavam.

Em 1949 dá-se a separação e criam-se dois grupos. Por um lado o já existente, Grupo Surrelista de Lisboa de onde faziam parte O'Neill, Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José Augusto-França e Vespeira. Destes afastaram-se os Dissidentes ou os Surrealistas (uma melhor definição para que não se identifiquem por oposição) com Cesariny, Pedro Oom, António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira.

O surrealismo não pode ser datado, nem podemos falar de percursores e herdeiros. Apenas o conceito e o seu entendimento fez com que se criassem estes grupos que aparentemente queriam o mesmo. No entanto ser-se surrealista era uma forma de estar na arte por isso teriam existido antes e depois e sempre.

Os grupos tiveram sobretudo a função de os pôr a pensar, reflectir, ainda que muitas vezes fosse pela negativa, daí o tão grande número de discussões, problemas e querelas. Os Surrealistas formaram-se pela negação de uma postura artística com a qual não se identificavam, nem eles nem o surrealismo bretoniano. Durante as dissidências os surrealistas puderam perceber que liberdade era esta. Não “inventaram” o surrealismo, pensaram-no e reflectiram-no.

É preciso perceber o que é ser surrealista, em que é que isso acrescenta o autor, o transforma, o melhora, o torna consistente. É isso que importa discutir e entender e espero que este congresso esta semana sirva para nos aproximarmos mais desse entendimento do que é o surrealismo, nos termos em que os próprios tentaram entender, e menos fecharmo-nos em discussões históricas e factuais.

Que sirva também este congresso para reflectir no que os surrealistas ainda podem significar e que sentido nos fazem (que é tanto) na nossa contemporaneidade. Que o congresso não nos feche em academismos e sirva para nos tornar o pensamento mais livre como os surrealistas quereriam, que nos tire do nosso espaço de conforto e nos liberte. De outra forma estaríamos a ser os nossos próprios inimigos.

Para tudo isto o importante é ler os surrealistas, para compreender esta revolução interior, não podemos entender o surrealismo em textos e comunicações.  Só nos livros e nos poemas e nos quadros essa revolução poderá ser não só entendida como atingida em absoluto. Não há outra forma.

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