sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Livro dos Homens sem Luz, João Tordo

Não quero lançar assim de chofre a discussão sobre o preconceito para com os nossos novos escritores, mas existe. Sim. Em mim também (não vou dizer com quais).
Oiço muito por aí o comentário de que o João Tordo "não é nada de especial". Que é fraquito, "diz-alguém-que-agora-não-me-lembro-quem-é".
Pronto confesso-me, nunca tinha lido. Vi umas entrevistas, ele com aquele ar descontraído cheio de piadas a dizer. Não estava com grande curiosidade. Aliás, se estamos em maré de confissões, aquela capa do Bom Inverno é um flop. Nunca me deu para aquele lado.
Mas teve de ser, tive mesmo de ler, começa-me a dar comichão da curiosidade.
E foi maravilhoso.

Um livro violento, sobre a solidão. Que fala das pessoas de dentro para fora com uma intensidade e humanidade raras. Uma história de corpos e vivências, e extremo. De extremo mesmo. Dos nossos limites, da nossa resistência à dor. Maravilhoso de uma ponta à outra.

"O Livro dos Homens Sem Luz é um romance surpreendente e arrebatador. Construído em quatro livros, livros autónomos mas que acabam por constituir um puzzle engenhoso onde o destino dos personagens se cruza e, por vezes, o sujeito da narração se altera sem aviso prévio, obrigando o leitor a fazer o seu trabalho de reconstrução, o romance de João Tordo mantém ao longo de quase 200 páginas o mesmo ritmo ofegante e opressivo, o mesmo tom de pesadelo (a impotência dos narradores, tomados geralmente pelo pânico, por vezes inexplicável mas real); mas, o que é surpreendente e raro, em nenhum momento o autor perde o domínio da prosa, a precisão das palavras, a parcimónia dos adjectivos, o rigor da descrição, a invenção surpreendente de situações no limite do verosímil e do suportável. (...) este livro faz-nos bem. Só espero que o público - que a televisão e os média andam a desabituar de ler e de olhar - saiba reconhecer uma voz original e poderosa, e descobrir o prazer inefável de conviver com a prosa de um grande escritor que é também, embora de disfarce por baixo de uma escrita austera e densa, um grande poeta."
António-Pedro Vasconcelos, Jornal de Letras

quinta-feira, 19 de maio de 2011

ler como viajar e ao contrário também dá

Não pensem que isto de gostar tanto de livros é pacífico. Não é. Se calhar era mais fácil gostar de carros, porque nos transportam, de roupa porque a vestimos, de casas porque vivemos nelas, de cães porque nos fazem companhia, e tantos etceteras por aí fora. Gosto de tudo isso, mas gosto mesmo é de livros. E de viagens. Ao regressar da Argentina, numa longa e solitária viagem de avião + escalas + avião (e o medo que eu tenho...) pensei muito nesta paixão. Na dos livros, que de alguma forma era a mesma das viagens mas que eu não conseguia perceber muito bem. Não consegui pôr em palavras. Como se faz nos livros.
Então descobri. É a capacidade de me encantar. E é como um vício, viver a vida encantada. Descobrir ainda o que nos surpreende e comove e diverte. E encanta mais uma vez. E é isso que eu amo nos livros e nas viagens. É que nada é igual e somos sempre pequenos e estamos sempre a descobrir. A encantarmo-nos, mais uma vez. E tantas outras. Talvez tenha alguma alergia ao quotidiano, ou medo da repetição. E é por isso que estou feliz com esta descoberta. Ai, estou, estou. Porque quando descobri que o que amava nos livros e nas viagens era a surpresa boa, essa surpresa começou a estar presente também no quotidiano. E então não fui só feliz na Argentina. Sou feliz em todo o lado, todos os dias. É como uma fórmula mágica.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Surreal Nacional


Caros todos,
juntamente com a RDA estou a preparar um dia surrealista. Começamos com um workshop onde vamos falar do surrealismo português, autores e técnicas, e experimentamos no final algumas dessas técnicas in loco. Depois estão todos convidados para um jantar surrealista (o que quer que isso queira dizer) e depois do jantar vemos um filme. No dia 28 de Maio vemos o Verso de Autografia do Miguel Gonçalves Mendes e num dia em Junho (ainda a confirmar) repetimos o workshop e o jantar mas dessa vez vemos o MHM Manuel Hermínio Monteiro do André Godinho. Tudo surrealista a dar com um pau, portanto. Tudo entrada livre, menos o jantar, a 3€. Digam-me de vossa justiça para sabermos quantos somos. Tudo, tudo, na Rua do Regueirão dos Anjos, 69, em Lisboa.



16h - 19h
Workshop
O antes o durante e depois - a literatura surrealista em Portugal
As técnicas surrealistas - visão e experimentação
Leitura de textos

19h30
Jantar surreal

21h30
Filme
(1º sábado - 28 de Maio) Autografia / Verso de Autografia, de Miguel Gonçalves Mendes
(2º sábado - a confirmar) MHM de André Godinho

sábado, 14 de maio de 2011

PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA

Chapitô

1a sessão: "É preciso ler uma biblioteca para escrever um livro?"

25 de Maio, 22h

Moderação: Rosa Azevedo

Convidados: Juva Batella, Sara Figueiredo Costa, Rui Zink, Afonso Cruz



O que é isto de escrever? Todos escrevemos, em cadernos, no computador,em guardanapos de papel. Fazemos listas de compras, deixamos recados no frigorífico e no bolso das calças. Escrevemos livros, textos, poemas, cartas de amor. Mas o que faz de nós um escritor? O que é isso de ser "escritor"? Onde está a linha que nos separa de Cervantes, Borges, Pessoa? Será realmente preciso ler uma biblioteca para escrever um livro? Que biblioteca é essa? Qual é a linha que separa um exercício de escrita de um texto que merece ser lido? Vamos pensar a escrita naquilo que ela tem de mais essencial: a comunicação. Vamos tentar perceber qual é o lugar da escrita.

sábado, 7 de maio de 2011

Hasta luego, Buenos Aires

Faltam poucas horas para deixar a cidade. Lá fora anoitece cedo. Desci a cidade a pé, em silêncio, e fui dizendo este texto para dentro, muitas vezes. Viajar sozinha permite-nos muitas coisas boas, uma delas é pensar a cidade continuamente enquanto vivemos dentro dela. É tentar entendê-la de alguma forma diferente da que poderíamos pensar à partida.
Vim para Buenos Aires sem imagens da cidade. Não sabia o que ia encontrar. Da Argentina tinha os livros e mais nada. E já era muito. Os livros transportam-se de uma forma inigualável para dentro de um país. De alguma forma acredito que já conhecia Buenos Aires, alguns detalhes, algumas ruas. Foi como um reconhecimento em imagens de ideias que fui lendo. As palavras nunca são iguais às imagens e a magia vem mesmo dessa complementaridade.
Foi uma viagem de contínuas surpresas. Tantas que até o corpo se cansava às vezes. Mas a alegria nunca falhou na Argentina. Conheci pessoas felizes. As pessoas na Argentina são mais felizes quando se encontram na rua, quando se falam numa loja, quando te dão uma informação. Em Buenos Aires as pessoas são frenéticas, a cidade é frenética. Com uma energia inigualável.
Falei muito de livros na Argentina. Cruzei-me com muitas pessoas que me falaram de livros. Que me disseram que livros tinha mesmo de ler. Imperativos sempre os argentinos. "Tens de ler". E conheci o cinema argentino, o bocadinho que consegui conhecer. Um cinema poético, com aquele toque de realismo mágico que os livros também têm: difícil de descrever mas muito fácil de perceber quando o encontramos. O realismo mágico é a alma dos hispano-americanos. E tem essa mágica característica de só se sentir, não se exprimir.
A arte argentina tem um progresso interessante, começa numa arte indígena, andina, e vai-se misturando lentamente com a arte mundial (com as influências mundiais da pintura pós 1800), mantendo sempre o seu lado da terra, sempre. O seu realismo mágico, mais uma vez. De todos encantou-me Antonio Berni, com a sua profunda mistura cultural.
Depois o tango. Ouve-se tango em todo o lado. Vêm-se silhuetas de Tango em todas as esquinas. Em Buenos Aires claro. Fui ouvir e dançar tango num bar pequenino aqui no bairro de San Telmo. Uma miúda como eu sozinha num bar de tango até altas horas da noite só podia atrair as maiores simpatias por parte destes argentinos de velha guarda como eram todos na La Cumparsita. Dançámos, cantámos, conversámos. Sempre acompanhados do maravilhoso vinho argentino. Não há igual, se bem que vinho mesmo do melhor é em Mendoza, onde também passei cinco dias, à beira da Cordilheira dos Andes.
E o que mais em encantou foi mesmo Buenos Aires. Esta cidade. Aterrorizante no primeiro dia. Grande, barulhenta, confusa. Perdi o Norte. E encontrei-o devagar. Agora que me vou embora já tenho o desenho da cidade debaixo dos pés. Fui vendo os detalhes, as pessoas todas. As livrarias por todo o lado, a música. As manifestações por todo o lado, todos os dias. Os acampamentos permanentes permanentemente a reivindicar qualquer coisa. O sol desta cidade. O rio de La Plata. Os portos. Os prédios. O sotaque argentino. A mistura cultural, os tons de pele todos diferentes. O tanto tanto tanto que fica por fazer e por dizer sobre Buenos Aires.
Caramba, fui mesmo feliz na Argentina.
Hasta luego Buenos Aires.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Os livros da Argentina

Aqui fica a lista das minhas recentes aquisições nesta cidade dos livros. Para empréstimos se quiserem, que alguns destes são impossíveis de arranjar em Portugal, na língua original...

Aquí vivieron, Manuel Mujica Laínez
El Aleph, Jorge Luís Borges
Soy paciente, Ana Maria Shua
Sobre Heroes y Tumbas, Ernesto Sabato
El escritor e sus fantasmas, Ernesto Sabato
Trabajos, Juan José Saer
Maldición eterna a quien lea estas páginas, Manuel Puig
El beso de la mujer araña, Manuel Puig
Las repeticiones, Silvina Ocampo
Toda Mafalda, Quino
Vagamundo, Eduardo Galeano
Misteriosa Buenos aires, Manuel Mujica Laínez
En cinco minutos levántate María, Pablo Ramos
Tres por cinco, Luisa Valenzuela
El jorobadito, Roberto Arlt
El juguete rabioso, Roberto Arlt
Acerca de Roderer, Guillermo Martínez
La cuidad de las palabras, mentiras políticas, verdades literarias, Alberto Manguel

Em Buenos Aires

Caros todos, terei decerto quando chegar a Lisboa tempo para vos falar mais destas minhas viagens livrescas na grande Buenos Aires. Mas posso dizer-vos desde já que esta é uma cidade para leitores e escritores. E não porque os guias turísticos o dizem (e dizem muito bem!). É porque há gente a ler em todos os cafés. E há cafés, muitos, lindos. Porque todos falam dos seus escritores. Porque há muitos escritores. Porque apetece escrever. Porque há livrarias em todo o lado. Na avenida Corrientes são mais de 100. E não são grandes livrarias, são livrarias que escolhem o que querem vender. Há livros para crianças. Para viagens. Sobre Buenos Aires. Sobre Borges. De Borges. De Puig. De Sábato. De Cortázar. De Pablo Ramos. De Arlt. De Ocampo. De tantas mulheres. De outros escritores que conheci aqui pela doce mão de professoras de literatura que encontrei. De amigos novos.
Estou encantada com esta cidade e não quero ir embora. Quero ler mais. Ficar aqui a ler mais. Esta é uma cidade do caraças...