Temos os nossos livros viciados. A leitura viciada. Os hábitos viciados. A escrita viciada. Escreve-se nas normas, andámos para trás. Há normas para escrever, para ler, para criticar. Não somos livres. Temos ideias feitas de escritores e poetas, ficção, ensaio, sabemos de cada autor o que diz, o que pensa, orientação política, vida privada. Nem sempre sabemos o que escreve.
Estamos viciados na ideia de autor. Na caixa do autor. No estilo inconfundível do autor. O autor assassinou os seus próprios textos ao criar uma caixa muito bem decorada e se ter enfiado nela. O autor tem capas bonitas e paginação bonita. O autor vive de prémios e telejornais. O autor veste-se bem e apresenta-se com os seus amigos e editores em lançamentos de livros sem história. O autor dorme bem. Come bem. Dedica algumas horas por dia à escrita, outras à família, outras à vida social. O autor nem precisa muito de escrever mas escrever “abriu-lhe portas”. E isso é bom para o autor. Fica feliz e assim ainda dorme melhor e escreve melhor.
As normas escondem os monumentos de papel, os poemas que cravam espinhos na pele, os livros necessários. Com a morte do autor talvez a arte se reveja melhor em si mesma. Se liberte e se autonomize. Se amantize consigo própria. Se revele revolucionária para dentro. Mude vidas, visões, posturas. Nos dê respostas, nos faça formular perguntas.
Eu não queria matar o autor. Coitado. Mas se tiver que ser, seja.
Com a morte do autor permitimo-nos refazer juntos a ideia de criação. Se não assinamos o papel ele não é nosso, é de quem o apanhar. A arte vira-se para “o outro” e “o outro” reutiliza-a. Cria outra história. A arte cresce e multiplica-se. E aí o autor também dorme melhor, come melhor. Mas por uma boa razão. Vá, uma razão melhor.
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