gravação áudio do Projeto de Resolução 1187/XII /
Preservação do serviço de ISBN (pelo Bloco de Esquerda) a partir partir
do minuto 36.
já nos estamos a mexer! é importante que esta
discussão saia do espaço da Assembleia e parta para a esfera pública.
questões para rosa.b.azev@gmail.com.
ouvir aqui.
consultar aqui a documentação da Assembleia.
Não faças Terrorismo Poético para outros artistas, fá-lo para pessoas que não perceberão que o que acabaste de fazer é arte. Hakim Bey
quinta-feira, 19 de março de 2015
segunda-feira, 16 de março de 2015
o amor em Adélia Prado
Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
sexta-feira, 13 de março de 2015
das contradições e oráculo da literatura
Et n'est-il pas remarquable, mais enigmatique, remarquable à la manière d'une enigme, que ce mot même de littérature, mot tardif, mot sans honneur, qui rend surtout service aux manuels, qui accompagne la marche toujours plus envahissante des écrivains de prose, et désigne, non pas la litterature, mais ses travers et ses excès (comme si ceux-ci lui étaient essentiels), devienne, au moment oú la contestation se fait plus sévère, oú les genres s'éparpillent et les formes se perdent, au moment où, de plus, ce qui paraît s'exprimer dans les ouevres, ce ne sont pas les verités éternelles, les types et les caractères, mais une exigence qui s'oppose à l'ordre des essences, la littérature, ainsi contesté commo activité valable, comme unité des genres, comme monde oú s'abriteraient l'idéal et l'essentiel, devienne la préoccupation, toujours plus presente, quoique dissimulée, de ceux qui écrivent et, dans cette préoccupation, se donne à eux comme ce qui doit se révéler dans son "essence".
quarta-feira, 11 de março de 2015
António Cabrita (sob a influência nem sempre nefasta do carinho) e o seu Éter
conheci o António Cabrita através dos livros dele, os publicados pela abysmo, antes de conhecer a pessoa. talvez a melhor forma de primeiro contacto com um autor. não sou das que afirmaria que é a única, dado os incríveis momentos que tenho tido o privilégio de viver com alguns autores. momentos que me fizeram não só querer ler a obra como lê-la com a influência nem sempre nefasta do carinho (o carinho como análise literária é algo que me suscita muito respeito). o António Cabrita teve as várias dimensões. começou por ser o autor da Maldição de Ondina, depois foi o Cabrita e depois o António.
Éter é o último livro do Cabrita. quando o abri vi o primeiro tremor. li várias vezes as mesmas primeiras frases:
Ainda não me saíram da pele os teus quatro tiros de caçadeira. É uma maneira de dizer que o seu eco ainda me perfura os tímpanos, devolvendo-me ao momento em que entrei no táxi e a rádio vomitou, Liquidou a tiro a mulher, o filho (que adoravas) e o gato, antes de virar o cano para si, deixando-me a boca descaída num esgar incontido, bruto.
este início está impregnado de beleza. a forma de começar a contar uma história, como uma urgência. a doçura do tom, a tragédia do conteúdo. a ansiedade de continuar, o silêncio do testemunho que fica para além das palavras. a intimidade com aquele a quem o narrador se dirige.
este é um livro em várias camadas e círculos, o que torna o livro um colosso, mais que um livro só. camadas porque explora vários sítios do nosso entendimento, da literatura, da vida e do conhecimento. círculos porque voltam todos a um presente que não é mais que uma passagem entre o passado e o futuro, ambos incompreensíveis ainda que um seja conhecido e outro não.
o texto é soluçado, gaguejado, contrariando o habitual conforto dos textos fáceis. o leitor passa pelo livro a completar com subtextos textos incompletos, invisíveis. coloca questões ao texto: onde já vivi isto? onde quer o autor chegar? a leitura não é nunca linear nem passiva é antes uma leitura de acção e diálogo.
este é um texto que equilibra de forma orgânica o texto e o conteúdo. deixa-nos desconfortáveis, apaixonados, tempestivos. na literatura contemporânea começa a ser raro encontrar esse equilíbrio. neste livro encontramos isso e posso afirmá-lo de qualquer ponto de vista, como se lesse um livro do autor da Maldição de Ondina, do Cabrita ou do António.
António Cabrita vive actualmente em Moçambique, em Maputo. Estudou cinema, escreveu guiões de cinema e foi jornalista e crítico literário mais de vinte anos sobretudo no Expresso. Escreveu livros de poesia, ensaio e romance. Os seus últimos livros foram publicados pela abysmo, em Portugal.
Éter é o último livro do Cabrita. quando o abri vi o primeiro tremor. li várias vezes as mesmas primeiras frases:
Ainda não me saíram da pele os teus quatro tiros de caçadeira. É uma maneira de dizer que o seu eco ainda me perfura os tímpanos, devolvendo-me ao momento em que entrei no táxi e a rádio vomitou, Liquidou a tiro a mulher, o filho (que adoravas) e o gato, antes de virar o cano para si, deixando-me a boca descaída num esgar incontido, bruto.
este início está impregnado de beleza. a forma de começar a contar uma história, como uma urgência. a doçura do tom, a tragédia do conteúdo. a ansiedade de continuar, o silêncio do testemunho que fica para além das palavras. a intimidade com aquele a quem o narrador se dirige.
este é um livro em várias camadas e círculos, o que torna o livro um colosso, mais que um livro só. camadas porque explora vários sítios do nosso entendimento, da literatura, da vida e do conhecimento. círculos porque voltam todos a um presente que não é mais que uma passagem entre o passado e o futuro, ambos incompreensíveis ainda que um seja conhecido e outro não.
o texto é soluçado, gaguejado, contrariando o habitual conforto dos textos fáceis. o leitor passa pelo livro a completar com subtextos textos incompletos, invisíveis. coloca questões ao texto: onde já vivi isto? onde quer o autor chegar? a leitura não é nunca linear nem passiva é antes uma leitura de acção e diálogo.
este é um texto que equilibra de forma orgânica o texto e o conteúdo. deixa-nos desconfortáveis, apaixonados, tempestivos. na literatura contemporânea começa a ser raro encontrar esse equilíbrio. neste livro encontramos isso e posso afirmá-lo de qualquer ponto de vista, como se lesse um livro do autor da Maldição de Ondina, do Cabrita ou do António.
António Cabrita vive actualmente em Moçambique, em Maputo. Estudou cinema, escreveu guiões de cinema e foi jornalista e crítico literário mais de vinte anos sobretudo no Expresso. Escreveu livros de poesia, ensaio e romance. Os seus últimos livros foram publicados pela abysmo, em Portugal.
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