sábado, 18 de abril de 2015

o dia em que descobri que ele trocava a vida por candeeiros velhos

gosto dos dias em que descubro livros preciosos. ontem, por causa do Carlos Vaz Marques e a TSF, ouvi um poema de León de Greiff de um livro recentemente publicado pela abysmo, Troco a Minha Vida por Candeeiros Velhos. 
o que me impressionou primeiro quando comecei a pesquisar o livro e o autor, foi descobrir o objecto incrível e cuidado que o livro é. no início tem três textos que contextualizam a obra, do Embaixador da Colômbia em Portugal, Germán Santamaría Barragán, de Jerónimo Pizarro, mentor e prefaciador, e Gastão Cruz, tradutor, que faz uma pequena e inspiradíssima reflexão sobre a tradução de poesia, não tão inspirada como as traduções que se seguem.
é um livro que, além dos textos referidos, fica ainda mais completo com fotografias, um glossário que explica a origem de muitas das palavras cuja tradução não chega para clarificar o contexto, e uma detalhada cronologia.
este pequeno livro é assim um objecto cuidado e completo, que se deixa ultrapassar pela beleza dos poemas modernistas cubanos que nos traz (o autor não adorava estas classificações literárias mas vamos usá-la para esclarecer o contexto). León de Greiff nasceu na Colômbia em 1895 e morre em 1976. É um dos mais importantes poetas colombianos com muitas ligações a Pessoa, ainda que a uma distância na época tão maior do que hoje. tem vários heterónimos, sendo os três mais importantes Leo Le Gris, Gaspar von der Nacht e Matías Aldecoa. foi um dos fundadores do movimento Panidas, um grupo de jovens que se juntava para falar do modernismo e da forma como o podiam trazer para a literatura. foi um dos nomes mais importantes da Revista Panida, de 1915, mesmo ano do Orfeu. é um poeta que acredita que a linguagem não lhe chega e por isso inventa palavras, dá-lhes novas dimensões textuais e culturais, o que torna ainda mais incrível o resultado das excelentes traduções de Gastão Cruz.
não há justiça no silêncio que tem rodeado este livro. quando o folheava tropecei num texto que li muitas vezes, primeiro o castelhano, depois a tadução, encontrando entre as duas uma plural dispersão de sentidos, uma beleza silenciosa, um monumento. ao reler o prefácio de Pizarro vejo que este se refere ao poema como a Tabacaria de Leon de Greiff. deixo o poema aqui, na versão original.


Canción de Sergio Stepansky

En el recodo de todo camino
la vida me depare el bravo amor:
y un vaso de aguardiente, ajenjo o vino,
de arak o vodka o kirsch, o de ginebra;
un verso libre -audaz como el azor-,
una canción, un perfume calino,
un grifo, un gerifalte un búho, una culebra...
 
(y el bravo amor, el bravo amor, el bravo amor!)
 
En el recodo de cada calleja
la vida me depare el raro albur:
-con el tabardo roto, con la cachimba vieja
y el chambergo agorero y el buido reojo,
vagar so la alta noche de enlutecido azur:
murciélago macabro, sortílega corneja,
ambular, divagar, discurrir al ritmo del antojo...
 
(y el raro albur, el raro albur, el raroalbur!)
 
En el recodo de todo sendero
la vida me depare a ésa mujer:
y un horizonte para mi sed de aventurero,
una música honda para surcar sus ondas,
un corto día, un lento amanecer,
un lastrado silencio hosco y austero,
la soledad, de pupilas redondas...
 
(y ésa mujer, ésa mujer, ésa mujer!)
 
En el recodo de cada vereda
la vida me depare el ebrio azar:
absorto ante el miraje que en mis ojos se enreda
vibre yo -Prometeo de mi tontura pávida-;
ante mis ojos fulvos, fulja el cobre del mar:
su canto, en mis oídos mi grito acallar pueda!  
y
exalte mi delirio su furia fría y ávida...
 
(el ebrio azar, el ebrio azar el ebrio azar!)
 
Y en el recodo de todo camino
la vida me depare “un bel morir":
despéineme un balazo del pecho el vello fino,
destríce un tajo acerbo mi sien osada y frágil:
-de mi cansancio el terco ir y venir:
la fábrica de ensueños -tesoro de Aladino-,
mi vida turbia y tarda, mi ilusión tensa y ágil...-
 
(un bel morir, un bel morir, un bel morir!)
 
Netupiromba Finado 18 noviembre 1931

1 comentário:

Victor disse...

Uma gralha intrometida decidiu pousar aqui...
Se a Revista Panida é do mesmo ano da revista Orpheu, então não é de 2015 mas, sim, de 1915.
E agora de volta à leitura deste blogue que apenas descobri hoje.