Não faças Terrorismo Poético para outros artistas, fá-lo para pessoas que não perceberão que o que acabaste de fazer é arte. Hakim Bey
quarta-feira, 20 de julho de 2011
o valter e o reino da infância. o nosso reino.
tenho de falar de o nosso reino de valter hugo mãe
fala de uma criança com a alma torcida pela fé. torcida e iluminada, como quem acredita que é santo e que é inegável que nada é casual. que a vida não se vive sem um gesto atento dos enviados de deus. este livro fala-nos do benjamin que vê o desenrolar trágico da sua aldeia e sente que os seus olhos, gestos, vontades e desejos têm um poder nunca antes sequer imaginado nas mais torcidas lendas religiosas. e benjamin quase podia ter sido uma criança normal se não acreditasse neste seu poder de escrever a história sempre trágica. e o benjamin é a "criança mais triste do mundo" sobretudo porque é uma criança que ama desmesuradamente todas as pessoas de quem não pode acreditar infinitamente na salvação. a sua mãe, a sua tia pecadora, a professora que conversa com ele em cima do telhado da escola, a germana que desenha corações na praia onde cabem os dois lá dentro, o manel, melhor amigo, santo como benjamin, filho da primeira de muitas tristezas. é um livro triste sim, mas um livro sobre o poder que temos sobre as vidas uns dos outros, sobre o modo como temos todos os braços entrelaçados e tomamos conta das mãos uns dos outros. mais uma vez o valter ensina-nos a existir. a perceber. a "guardar tudo no peito e começar a perceber".
e é aquela escrita que é vento, magia, uma tempestade. um sobressalto a cada palavra. uma verdade a cada final de frase. o valter é muito grande. este livro é muito grande. é escuridão e uma salvação intrínseca. e chegar aí é, claro e sempre, muito raro.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
foi assim no chapitô, para acabar de vez com a leitura
ontem falou-se de livros no chapitô. mais uma vez. e de livreiros e de leitores. ali éramos todos leitores, alguns éramos livreiros, outros tínhamos sido livreiros, outros queriam ser para sempre livreiros, um certo tipo de livreiro, o nosso tipo de livreiro.
claro que não houve grandes conclusões, nem era para haver. a leitura está bem e recomenda-se. um grande passo para a leitura é haver livros e esses cada vez há mais. e não é correcto, de todo, dizer que há cada vez mais livros maus. há também cada vez mais livros bons. editoras como a Ahab ou a Cavalo de Ferro vieram transformar todo o panorama. há livros mesmo muito bons, e muitos deles, apesar de discretamente, também chegam ao top.
hoje não me apetece ser fatalista porque, primeiro, tento nunca o ser, e, depois, porque ontem levámos uma lição "daquelas". fatal não é acabarem os livros em papel porque como diz o nosso querido livreiro velho "eu não vendo papel", e, no limite, ao haver livros electrónicos para além dos livros em papel, há mais livros.
agora não me lixem, o livreiro tem uma missão. e se bem que ontem essa missão não tivesse sido directamente lançada para o colo dos espectadores apesar de muito se ter especulado sobre ela, a verdade é que o comentário que um espectador fez ia contra premissas que estavam a ser defendidas no tanque: "queremos dar ao leitor o livro que nós queremos ler ou o livro que ele quer ler?". a resposta só podia ser uma: queremos dar-lhe aquilo que ele quer, que muitas vezes é que lhe demos aquilo que queremos ler.
um livreiro tem de vender, será sempre verdade, mas haverá alguma razão para que o joaquim não venda seguros ou maçãs. "apesar de". haverá sempre um "apesar de". apesar de o mercado estar difícil, de as vendas estarem difíceis, e tudo e tudo e tudo. livros são livros, caramba. e isso ninguém lhes tira. nem nos vencem pelo cansaço, que o cansaço às vezes também alimenta. e isso viu-se ontem naquelas 50 pessoas que ouviam e falavam. há ainda muito a dizer, a discutir, a reflectir. "apesar de".
um bem haja a todos os que estiveram, os que quiseram estar e os que hão-de estar. e até setembro!
claro que não houve grandes conclusões, nem era para haver. a leitura está bem e recomenda-se. um grande passo para a leitura é haver livros e esses cada vez há mais. e não é correcto, de todo, dizer que há cada vez mais livros maus. há também cada vez mais livros bons. editoras como a Ahab ou a Cavalo de Ferro vieram transformar todo o panorama. há livros mesmo muito bons, e muitos deles, apesar de discretamente, também chegam ao top.
hoje não me apetece ser fatalista porque, primeiro, tento nunca o ser, e, depois, porque ontem levámos uma lição "daquelas". fatal não é acabarem os livros em papel porque como diz o nosso querido livreiro velho "eu não vendo papel", e, no limite, ao haver livros electrónicos para além dos livros em papel, há mais livros.
agora não me lixem, o livreiro tem uma missão. e se bem que ontem essa missão não tivesse sido directamente lançada para o colo dos espectadores apesar de muito se ter especulado sobre ela, a verdade é que o comentário que um espectador fez ia contra premissas que estavam a ser defendidas no tanque: "queremos dar ao leitor o livro que nós queremos ler ou o livro que ele quer ler?". a resposta só podia ser uma: queremos dar-lhe aquilo que ele quer, que muitas vezes é que lhe demos aquilo que queremos ler.
um livreiro tem de vender, será sempre verdade, mas haverá alguma razão para que o joaquim não venda seguros ou maçãs. "apesar de". haverá sempre um "apesar de". apesar de o mercado estar difícil, de as vendas estarem difíceis, e tudo e tudo e tudo. livros são livros, caramba. e isso ninguém lhes tira. nem nos vencem pelo cansaço, que o cansaço às vezes também alimenta. e isso viu-se ontem naquelas 50 pessoas que ouviam e falavam. há ainda muito a dizer, a discutir, a reflectir. "apesar de".
um bem haja a todos os que estiveram, os que quiseram estar e os que hão-de estar. e até setembro!
sexta-feira, 8 de julho de 2011
Socorro! Onde está o meu livreiro?
13 DE JULHO (próxima 4a feira)
21h30
Bartô do Chapitô, em Lisboa
cá estamos nós na terceira sessão do PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA, desta vez dedicada a isso mesmo, à leitura, com o título Socorro! Onde está o meu livreiro?.
Vai ser uma boa sessão, vou estar entre amigos, adivinha-se uma conversa descontraída com muitas surpresas e boa disposição. Quero-vos todos lá, onde vamos falar disto:
“No metro, nos correios, junto da banca das couves no supermercado, ele é ver livros brotar dos recantos mais insuspeitos e, estranheza maior, leitores que chegam ao balcão dos correios empunhando contas de electricidade e sérios tomos de auto-ajuda.
Restam poucas dúvidas de que pisámos, aqui, uma linha limítrofe. Mas limítrofe de quê? Que princípios culturais são estes que regem a compra e venda de livros?
As vendas tomaram de assalto a indústria do livro e o leitor foi elevado à condição de consumidor. A quantos de nós, leitores, nos perguntaram editores, livreiros ou autores, o que gostaríamos de ler? Será que nos revemos verdadeiramente nos escaparates atolados de novidades ou que as nossas escolhas estão, hoje, mais condicionadas que nunca pela abundância de oferta e ausência de aconselhamento? Onde está o meu livreiro? Quem é o meu editor? Por que comprei este livro?”
Convidados: Ricardo Ribeiro, Joaquim Gonçalves, Pedro Vieira, Luís Guerra
Moderação: Rosa Azevedo
21h30
Bartô do Chapitô, em Lisboa
cá estamos nós na terceira sessão do PARA ACABAR DE VEZ COM A LEITURA, desta vez dedicada a isso mesmo, à leitura, com o título Socorro! Onde está o meu livreiro?.
Vai ser uma boa sessão, vou estar entre amigos, adivinha-se uma conversa descontraída com muitas surpresas e boa disposição. Quero-vos todos lá, onde vamos falar disto:
“No metro, nos correios, junto da banca das couves no supermercado, ele é ver livros brotar dos recantos mais insuspeitos e, estranheza maior, leitores que chegam ao balcão dos correios empunhando contas de electricidade e sérios tomos de auto-ajuda.
Restam poucas dúvidas de que pisámos, aqui, uma linha limítrofe. Mas limítrofe de quê? Que princípios culturais são estes que regem a compra e venda de livros?
As vendas tomaram de assalto a indústria do livro e o leitor foi elevado à condição de consumidor. A quantos de nós, leitores, nos perguntaram editores, livreiros ou autores, o que gostaríamos de ler? Será que nos revemos verdadeiramente nos escaparates atolados de novidades ou que as nossas escolhas estão, hoje, mais condicionadas que nunca pela abundância de oferta e ausência de aconselhamento? Onde está o meu livreiro? Quem é o meu editor? Por que comprei este livro?”
Convidados: Ricardo Ribeiro, Joaquim Gonçalves, Pedro Vieira, Luís Guerra
Moderação: Rosa Azevedo
sexta-feira, 1 de julho de 2011
encontrei a beleza aqui escrita, com todas as palavras
Nunca soube escrever sobre livros. Escrever aqueles textos onde dizemos o que é muito-bom-porque-é-parecido-com-qualquer-coisa-ou-mau-porque-é-qualquer-outra-coisa. Não sei dar notas, nem pontos, nem estrelas. Sei pegar em livros, passá-los para a mão de outros e dizer "lê". É também assim com Afonso Cruz. Mas com o Afonso uma só palavra não chega. Sobre este livro, Pintor debaixo de um lava-loiças, a primeira descrição que ouvi foi: "é daqueles livros onde sublinhas todas as frases". E é. A história do pintor Josef Sors, a história de amor da infância, onde o baloiço é o mote ("o mundo inteiro puxa-nos para baixo, mas as mãos de quem gosta de nós atiram-nos para cima"), com Frantiska, "símbolo do infinito, um oito preguiçoso".
Conta a história da viagem do pintor até à I Guerra onde descobre que "para ganhar uma guerra há duas condições: não morrer e não matar.". A viagem até aos Estados Unidos, depois de volta a Bratislava, depois para a Figueira da Foz. É a história de um pintor que quase não vê, não vê a luz e as cores fortes. É a história de um pintor que desenha olhos. Abertos e fechados. Um pintor que se deita no chão porque o amor é como uma casa sem tecto, quando se olha para cima só se vê o céu. E porque não podemos andar sempre de pé para que aqueles que já morreram não estejam sempre a ver o alto da nossa cabeça e sim os nossos olhos. E é uma história de uma família. De um pai morto por não "perceber poesia". De uma mãe que finge que, à mesa, eles haviam sempre de ser três.
E é uma história de amizade e resistência (e que falta nos fazem histórias de resistência), de uma família que esconde um pintor judeu debaixo do lava-loiças.
Este livro é de uma beleza inexplicável. Cada personagem, cada palavra, cada título, cada ilustração.
E como epílogo (golpe de misericórdia para quem como eu se vinha comovendo devagar página a página) o Afonso conta-nos o que de real existe nesta história. E são páginas como flores na cabeça do coronel. E música. E ter vontade de escondê-los a todos debaixo do nosso telhado. E ao Afonso também.
São livros destes que me fazem perceber isto de estar aqui, sempre tão prisioneira das palavras.
Obrigada Afonso.
Conta a história da viagem do pintor até à I Guerra onde descobre que "para ganhar uma guerra há duas condições: não morrer e não matar.". A viagem até aos Estados Unidos, depois de volta a Bratislava, depois para a Figueira da Foz. É a história de um pintor que quase não vê, não vê a luz e as cores fortes. É a história de um pintor que desenha olhos. Abertos e fechados. Um pintor que se deita no chão porque o amor é como uma casa sem tecto, quando se olha para cima só se vê o céu. E porque não podemos andar sempre de pé para que aqueles que já morreram não estejam sempre a ver o alto da nossa cabeça e sim os nossos olhos. E é uma história de uma família. De um pai morto por não "perceber poesia". De uma mãe que finge que, à mesa, eles haviam sempre de ser três.
E é uma história de amizade e resistência (e que falta nos fazem histórias de resistência), de uma família que esconde um pintor judeu debaixo do lava-loiças.
Este livro é de uma beleza inexplicável. Cada personagem, cada palavra, cada título, cada ilustração.
E como epílogo (golpe de misericórdia para quem como eu se vinha comovendo devagar página a página) o Afonso conta-nos o que de real existe nesta história. E são páginas como flores na cabeça do coronel. E música. E ter vontade de escondê-los a todos debaixo do nosso telhado. E ao Afonso também.
São livros destes que me fazem perceber isto de estar aqui, sempre tão prisioneira das palavras.
Obrigada Afonso.
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