As razões da escrita são quase em mesmo número que os escritores. Cada escritor escreve por razões diversas, cada um com as suas. Mas há objectivos que se misturam com consequências naturais da escrita. A escrita de que aqui falamos (que não é de todo a maior parte do que é realmente escrito e visto como tal) é a que é publicada. A que chega a nós através dos novos autores. A publicação pressupõe a venda de livros. A venda pressupõe que alguém faça um negócio posterior ao acto da escrita. Aqui entram em conflito diversas questões. Como em qualquer negócio é necessário efectuar vendas. Para que editoras e livrarias possam sobreviver. Há poucos escritores a viver de livros, apesar de haver muitos a viver do que anda à volta da escrita - prémios, crónicas em jornais, conferências e outros convites. A ideia de best seller é hoje uma ideia muito deturpada e diferente do que era há uns anos. Hoje há mais leitores. Toda a gente lê um livro, o que não acontecia há 30 / 40 anos atrás. Assim, no momento em que a leitura se massificou, muitos leitores "novos" procuraram "conselhos" de leitura fora de circuitos familiares e próximos pois muitas vezes quem os rodeava não tinha os mesmos hábitos de leitura. Assim tornou-se cada vez mais importante apostar no marketing do livro. Hoje é certo que um livro que seja referido positivamente em jornais ou revistas de grande tiragem, ou num telejornal de um canal de televisão com muita audiência é um livro que vai vendrer muito nesse dia e dias seguintes numa livraria. Uma questão importante é qual a diferença entre quem lê e quem compra, visto ser claro que não é, de todo, a mesma realidade. Há uns anos atrás o brilhante livro de Cortázar, Rayuela, traduzido pela Cavalo de Ferro com o nome de Jogo do Mundo esteve várias semanas nos top's nacionais de vendas. Garanto que apenas uma percentagem muito pequena das pessoas realmente leu o livro (e quem o leu sabe porque digo isto). Para as vendas, efectivamente, o livro foi um sucesso. Mas sera que cumpriu o seu objectivo primeiro? E aí começam as perguntas. Qual é o objectivo da escrita? Chegar a alguém, ser lida. Sim. Mas será que para todos os escritores o objectivo primeiro da escrita é ser lido? Ou é a escrita em si? Aqui podemos entrar em conjecturas. E do alto da nossa infinita sabedoria de leitores podemos considerar que sabemos bem qual a diferença entre quem escreve "para vender / para ser lido" e quem escreve "para si próprio / pela própria escrita". O que é mais fácil de avaliar é que os contratos das editoras com os escritores os obrigam a fazer sair os seus livros com uma periodicidade mais ou menos fixa. Não acontece com todos. Nem significa que o livro que acaba de sair tenha acabado de ser escrito.
São muitas as variantes. Não podemos com isto esquecer que há também aquilo que o escritor diz. Júlio Magalhães nas correntes d'escritas deste ano, admitiu abertamente e de forma honesta que o propósito da sua escrita é chegar aos leitores de forma descontraída, sem grandes ambições literárias.
Podíamos discutir este tema sem fim, com muitas opiniões diversas, e chegar mesmo à apoteose da discussão quando começássemos a referir nomes. Mas este segredo está absolutamente guardado e inacessível. A nossa liberdade limita-se às conjecturas. E venham elas!
A conferência "novos autores e novas escritas em Portugal" acontece dia 23 de Março, às 21h30 no MAEDS, Avenida Luísa Todi, nº162, Setúbal, a convite da Synapsis.
3 comentários:
Não é só o "livro que seja referido positivamente em jornais ou revistas de grande tiragem, ou num telejornal" que vende muito. Na verdade, só vendem os livros que os editores resolvem que devem vender. Há os grandes grupos editoriais e os editores influentes, que decidem que livros devem vender, ou não. Não sei quais são as razões por trás disso, mas sei que a qualidade não é a característica mais importante. Claro que há excepções, mas essas são só para disfarçar.
E depois há o caso dos livros esgotados, que não estão esgotados, nas livrarias; o caso de não se poder encomendar qualquer livro em qualquer livraria.
A J. K. Rowling não tinha hipóteses em Portugal...
A única forma de uma editora X ter mais força numa livraria do que uma editora Y depende dos livreiros e depois das influências financeiras - se compram montras ou espaços de destaque. Mas os livreiros têm um papel fundamental. Quando trabalhei numa livraria chegámos a ter ilhas inteiras de destaques de poesia da &Etc ou Assírio, o que não era pacífico perante a nossa direcção. Mas a verdade é que vendia. Depois entra novamente a questão da publicidade e dos lobbys - as editoras grandes têm dinheiro para publicidade e normalmente estão dentro de circuitos que faz com que apareçam sempre nas críticas dos jornais. Há editoras, e não são poucas, independentes, que nunca vêem as suas novidades nos jornais. O que é lamentável.
Obrigada pelas informações.
Não sabia que se podiam comprar montras ou espaços de destaque.
As editoras grandes têm dinheiro para publicidade. E eu presumo que 90% dos autores que elas publicam chegaram lá através de influências e, vá lá, recomendações...
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