«Pois há-de ser
pela música que no inimaginável coração do tempo vem permanecer tudo o
que se passou, tudo o que passa sem poder acabar de passar, o que não
teve nenhum substância, mas sim um certo ser ou avidez de tê-la. Tudo o
que se interpôs no fluir temporal, detendo-o. Tudo o que não seguiu o
curso do tempo com os seus desertos, onde tantos abismos se abrem; o que
não concordou com o seu invisível ser, que somente se nos dá a sentir e
a ouvir, mas não a ver - o ver aquilo que o tempo causou é já um juízo.
Pranto também esta música do decorrer, como se o incrível coração do
tempo tivesse recolhido o pranto de tudo o que se passou e do que não
chegou a dar-se. E o gemido da possibilidade salvadora, e o que que foi
negado aos que estão sob o tempo. Parece-me que é o sentir do próprio
tempo aquilo que se desarma musicalmente sobre o sentir de quem escuta
ao padecê-lo. Uma musica que vem dar-se no modo da oração.»
Maria Zambrano, "Clareiras do Bosque", Relógio D`Água, 1995
Maria Zambrano, "Clareiras do Bosque", Relógio D`Água, 1995
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