F. - sonho os pormenores do corpo de Manuel: a pele suja, os dentes cariados, as mãos oleosas, os dedos picados dos anzóis, cheios de calos, de por eles passar o estralho, os movimentos de Manuel a consertar as redes, a iscar o aparelho, Manuel calado, no silêncio como em uma casa.
M. - Olho-te da minha fome, sítio só meu e que me perturba, devorador de ti. Tudo o que falas é comido pela fome que eu tenho. Só te vejo nela, como a tua atmosfera. O ar que respiras está cheio de veneno, respiras um ar que te assassina.
F. - amo-te o silencioso dessa fome. O seu lado de contínua devoração.
M. - amas o quê, Francelina? amas isto, olha, os meus braços, pernas, o caralho, é o que tu amas.
não desviou a mão do peito que a mão tocava. Abandonou-a. E no mesmo lugar a mão lhe ficou exterior.
F. - Todos os dias uma nova morte. Um fim que se repete.
Francelina lambe o corpo de Manuel, nu, na enxerga.
F. - o teu corpo sabe a sal.
Grito
Rui Nunes
há dois tipos de escritores. os que são como o rui nunes e os outros, todos.
4 comentários:
quando li o "Cães" disse uns quantos palavrões. Como é possível um tipo que escreve desta maneira, com esta intensidade passar ao lado de quem lê-demorei demasiado tempo a chegar lá.
que tipo de escritores são estes no panorama literário actual? que tipo de leitores temos de ser?
tenho pensado muito a sério e muito tempo nestas tuas perguntas. prometo responder com um texto :)
novidade com delay :P
"Armadilha" de Rui Nunes :D
Esse não conheço, comprei esta semana mais dois :)
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