"Incomoda, contudo, observar a violenta pressão de raiz estética e professoral que se esmera em integrar o Surrealismo num capítulo a mais da história literária e se fecha para o seu legítimo sentido. Os próprios chefes desfalecem esgotados, voltam com cabeças amolecidas ao "volume de poemas" (tão outra coisa do que poemas em volume), ao arcano 17, ao manifesto repetitivo. Por isso é preciso reiterar: a razão do Surrealismo ultrapassa toda a literatura, toda a arte, todo o método localizado e todo o produto resultante. Surrealismo é cosmovisão, não escola ou ismo: uma empresa de conquista da realidade, que é a realidade certa em vez da outra de papelão e para sempre ressequida; uma reconquista do mal conquistado (o conquistado a meias: com a fregmentação de uma ciência, uma razão discursiva, uma estética, uma moral, uma teleologia) e não a mera continuação, dialecticamente antitética, da velha ordem supostamente progressiva."
Júlio Cortázar
Valise de Cronópio
Editora Perspectiva, 2004
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