vou falar hoje de uma conversa muito comum por entre as conversas de cafés sobre livros. aquilo que "tem" de se ler. a pressão aumenta se somos pessoa dos livros. ninguém imagina que não tenhamos lido uma lista infinita de livros e ninguém estará verdadeiramente completo sem ter lido o Ulisses ou o Em Busca do Tempo Perdido. não gosto dessa conversa. e, como imaginam, levo com ela todos os dias.
acho que cada um de nós cria uma biblioteca interior. nessa biblioteca vamos criando os nossos mais que tudo. para isso, e para que a nossa biblioteca não se construa em cima de caos (tão fácil ir por aqui) temos de pensar que tipo de leitor queremos ser (em resposta à C.). temos de saber qual é o nosso caminho nem que a escolha desse caminho seja não termos caminho nenhum. acredito que posso ser ao mesmo tempo leitora de franzen e rui nunes. mas sei que quando leio rui nunes ou lispector ou herberto helder há algo que muda irremediavelmente na minha forma de ler. e que durante um momento é difícil acreditar que posso sair dali. mas saio por escolha, porque me sinto incapaz de ser esse tipo de leitora em exclusivo. tenho um fraquinho poderoso por quem é, mas eu não consigo. preciso de ler outros universos. mas quando penso na leitora que quero ser sei que quero ser uma leitora honesta com o escritor. quero que o diálogo que ele mantém comigo seja de alguma forma transparente. quero perceber que estamos a dialogar um com outro. para isso, e como me ensinou o R. o escritor tem também, assim como eu a ler, de ser honesto a escrever. e essa honestidade não tem de vir dele enquanto pessoa mas enquanto escritor. logo, essa honestidade só se pode entender na leitura de um texto ou de um livro. é um processo íntimo e privado. assim, nesta minha definição de leitora cabe um mundo de livros. mas não cabem livros maus. não leio para me distrair. leio para me acrescentar. por isso, se o livro é mau e não cumpre estes meus parâmetros, eu não o leio.
na minha biblioteca interior cabem os meus mais que tudo. não são muitos se bem que o meu universo de leitura seja alargado. cabe o Steinbeck (e tenho de me lembrar deste discurso para não dizer que quem não leu o A Leste de Paraíso nem devia falar de literatura), cabe o António Ramos Rosa, a Lispector, o Rui Nunes, o Boris Vian, o Cesariny, o Herberto Helder, a Rosa Alice Branco, a Rosa Montero, o Cortázar, o Borges, o Franzen, o Afonso Cruz, a Ana Teresa Pereira, o Juan Rulfo, o Ernesto Sampaio, o Miguel Torga, o Alberto Manguel, o David Vann, o Vergílio Ferreira, o Fante, o Gonçalo M. Tavares, o Mário Henrique Leiria, o Luiz Pacheco, a Maria Zambrano.
estes foram verdadeiros escultores do que eu hoje penso. poderia dizer que é inadmissível não os terem lido, voltando ao início deste texto. mas não vou dizer, vou só dizer que se não os lerem vão estar a cometer um erro disparatado. é que são bombas em forma de livros. e há poucas coisas melhores do que ter um livro que nos rebenta na cabeça e nas mãos.
6 comentários:
Foi em "A LESTE DO PARAÍSO" que eu VI um cágado subir o lancil dum passeio, eu VI.
Este texto seu merece releituras, merece um tempo para que eu possa refletir o tipo de leitor que quero ser. Quero crescer como leitor, apreender essências dos bons livros. Ando experimentando várias leituras na tentativa de achar um caminho. Abraços.
Obrigada Carlos, sempre bom ver que há pessoas desse lado. Abraço
Cara Rosa,
Parece-me que no final está a voltar ao pedantismo de que se tentou afastar ao princípio. Não vejo qualquer diferença entre considerar inadmissível não se ler certo livro e acusar alguém de cometer um erro disparatado por não o fazer. Está a emitir um juízo de valor contra as escolhas do leitor.
Falando por mim próprio, considero um sinal de sanidade mental não voltar a perder tempo com vários dos escritores que listou.
Já agora, não pude deixar de notar o pendor surrealista deste blogue. Parece ter muita estima por este movimento. E porém lista muitos romancistas. O surrealismo, como todos os grandes fracassos artísticos do século XX, anunciou prematuramente a morte do romance; mas todos - dada, os futuristas, os surrealistas - passaram e o romance ainda cá está.
O que pensa disso?
Caro Luís,
agradeço o comentário, antes de mais. Quando digo que é um erro é como que uma ironia contra mim própria e chamo erro no tom satírico brincando com o inadmissível querendo apenas aconselhar a leitura. Mas relendo agora com distância percebo perfeitamente o que diz.
voltando a olhar para os escritores que referi vejo que apenas uma pequena minoria escreveu romances, que, não deixando de ler e apreciar não é o meu género maior. O meu forte pendor surrealista também não me fecha os horizontes, em absoluto. E não acredito na morte do romance. Acredito apenas que há formas literárias mais fortes e honestas. Não sei se concorda.
Espero a sua visita e comentários, gosto de "provocações" que me obriguem a repensar os meus raciocínios.
E já agora, os surrealistas não passaram. Estão cá. E com que escritores destes não voltaria a perder tempo?
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