discurso ao príncipe de epaminondas, mancebo de grande futuro
 
 Despe-te de verdades
 das grandes primeiro que das pequenas
 das tuas antes que de quaisquer outras
 abre uma cova e enterra-as
 a teu lado
 primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
 e não possuías mácula senão a de um nome estranho
 depois as que crescendo penosamente vestiste
 a verdade do pão a verdade das lágrimas
 pois não és a flor nem luto nem acalanto nem estrêla
 depois as que ganhaste com o teu sémen
 onde a manhã ergue um espêlho vazio
 e uma criança chora entre nuvens e abismos
 depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
 quando lhes forneceres a grande recordação
 que todos esperam tanto porque a esperam de ti
 Nada depois, só tu e o teu silêncio
 e veias de coral, rasgando-os os pulsos
 Então, meu senhor, poderemos passar
 pela planície nua
 o teu corpo com nuvens pelos ombros
 as minhas mãos cheias de barbas brancas
 Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
 mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
 e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
 e um silêncio de morte à nossa passagem
 
 Mário Cesariny
manual de prestidigitação
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