foi num fim de tarde que encontrei o Valério Romão, numa esplanada do nosso bairro. como não era uma pessoa desconhecida (em nenhuma frente) nem uma entrevista nada formal, o gravador começa a gravar a meio de uma frase e acaba por ser esquecido. falo demais, como costuma acontecer quando é um Valério que tenho à minha frente, e duas imperiais. não devia. anotar a falha.
escolhemos ser escritores quando queremos escrever. depois percebemos que queremos ser lidos e que publicar é uma urgência e uma necessidade orgânica e natural. que se encaixa na própria função de se ser escritor. o Valério é um escritor com uma consciência interna da sua própria função. opta por não se ver de fora, de forma exterior, a partir dos olhos dos outros. vive dentro do triângulo escritor - editor - leitor e preserva essa intimidade como a única que interessa. vê a sua independência não como uma bandeira ou manifesto mas como a única forma possível, depende apenas desse triângulo. para isso teve algumas “coincidências generosas” como lhes chama. João Paulo Cotrim, da Abysmo, recebeu das mãos de António Cabrita, amigo comum, a notícia do novo escritor. da coincidência generosa parte uma relação que encaixa não só no perfil do escritor como no perfil do editor. de uma relação profissional nasce uma confiança que equilibra bem e de forma funcional uma óbvia fórmula de sucesso.
não é por acaso que o triângulo funciona. um livro vive de um autor que o escreve para um leitor que o lê e passa por um editor que torna esta relação possível, não apenas como mensageiro mas parte activa do processo. se as três partes se respeitarem e entenderem mutuamente o resultado é positivo.
Valério Romão é hoje um escritor conhecido do público. não sabe bem em que altura se deu o passo que o levou a ser conhecido desta forma. o Valério não acredita em parte da sua popularidade. mantém-se escritor com as mesmas rotinas que tinha antes deste passo. admite no entanto que a Granta e a opção de Carlos Vaz Marques em arriscar a publicação de um escritor com uma obra tão curta e ainda tão desconhecida tiveram um papel decisivo. é público que Carlos Vaz Marques sabe o que faz. neste caso houve mais do que um casamento perfeito: o Carlos que dá o pontapé para que mais gente o leia, o João Paulo que publica os escritores novos em quem acredita intrinsecamente e o Valério que escreve bem, com convicção, sob o olhar atento de pessoas em quem confia como o António Cabrita.
é realmente difícil falar em angústia da influência no caso desta geração. faz parte da forma como eles se criaram enquanto escritores - acreditarem que a sua obra tem de ser única e original, assumindo, no caso do Valério, os ecos imensos de muitas leituras. as editoras pequenas que surgiram neste último ano trouxeram ao mercado editorial dezenas de novos escritores, dando-lhes importância e peso de forma desigual, é verdade, mas sempre confiando nessa mesma capacidade de serem únicos, autênticos e com inegável qualidade literária.
é visível a forma tranquila e honesta com que Valério vive a escrita. lima-lhe todas as arestas mas acredita que o seu conteúdo é orgânico. digo honesta porque o Valério se recusa a sair do triângulo que ele acredita ser o único possível para que um escritor não seja apenas um autor de um livro. o Valério é um escritor. com uma sensibilidade rara, um domínio seguro e claro da língua, os amigos certos, as escolhas certas e um editor que acreditou naquele primeiro livro com a convicção e confiança com que acredita já nos que ainda não estão escritos. o Valério é assim um caso de sucesso literário que só pode significar sucesso editorial. mas que no limite, podia só ser literário que o objectivo daqueles livros estava cumprido. e neste triângulo está o segredo, que não parte de opções por parte de cada um dos lados, e sim de generosas coincidências. e tenho a sensação que o futuro dirá que muitos belos frutos nos trará ainda esta generosidade.
2 comentários:
Boa! Para a próxima diga o nome do Bairro, sim?
Boa! Para a próxima diga o nome do Bairro, sim?
Sff (também se usa!)
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