Com os Loucos é um livro que não se assemelha a nenhum outro. encerra um misto de jornalismo com ficção com umas fronteiras tão esbatidas que é impossível perceber onde acaba um e começa outro. não percebemos quais as intenções do autor, mesmo que ele as diga no início. perdem-se também nesse mesmo nevoeiro.
o ponto de vista é sempre externo. do que observa e racionaliza a chamada "loucura", termo esse questionado ao longo de todo o livro. ao observar os chamados "loucos" dentro das instituições Albert Londres questiona o tratamento que lhes é dado e a forma como essa loucura é institucionalizada - ou seja - questiona qual será verdadeiramente o objectivo destes tratamentos questionando sempre se a "cura" é o objectivo final e o que é isso da "cura" para doenças como esta.
Albert Londres mostra-nos que a observação da loucura é sempre feita de um ponto de vista exterior - o mesmo ponto de vista da investigação do livro. e é sempre vista de um ponto de vista negativo, como uma doença que necessita de uma cura, mesmo que não se saiba bem o que é essa mesma cura.
Muitos momentos do livro funcionam como "estudos de caso". Albert Londres mostra em diversos momentos que se juntarmos uma pessoa dita "normal" a uma pessoa dita "louca" poderemos perfeitamente acreditar que são todos loucos. é tudo uma questão de contexto e de, lá está, ponto de vista.
a questão da cura abordada acima é muito explorada ao longo de todo o livro. há por um lado uma consciência social e médica de que a loucura tem de ser curada. mas nem sempre o louco sabe que o é ou prefere deixar de o ser. as doenças mentais nem sempre têm consciência de si próprias e nem sempre é mais confortável para o doente ser tratado. muitas vezes o melhor seria, de acordo com o autor, compreender esta mesma loucura deixando que ela própria se encaixasse da melhor forma no mundo real tirando partido das suas qualidades. para o autor sempre que se identifica a loucura em alguém e se tenta curá-la admitindo sempre que a loucura é errada estamos como que a castigar esse mesmo louco sem antes nos apercebermos das vantagens que aquela condição lhe pode trazer. "- A loucura - tinha-lhe dito uma freira - é um castigo de Deus. Os homens acrescentam-lhe o seu."
Albert Londres mostra ainda que a loucura não tem só um lado médico tem também um lado social muito difícil de curar. quando olhamos para alguém como um louco temos muita dificuldade em vê-lo de outra forma depois disso. e se tivermos dado ao louco a noção de que passou por aquele processo todo para atingir a cura e ainda assim ele não se livrar desse estigma social então o resultado poderá não ser tão positivo.
é um livro poderoso. dos que nos entram na cabeça e nos revolvem todos os preconceitos e nos mostram como precisamos de pensar as situações de dentro delas para fora e não de dentro de nós para fora.
a sistema solar promete. e as introduções e traduções de Aníbal Fernandes dão-lhe o toque que faltava, sem revelar o segredo desta escrita, claro, isso é lá entre eles.
em bom portanto. a não perder de vista.
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