resumo da comunicação proferida no Congresso Surrealismo(s) em Portugal, Nov 2013
Começo por avisar que a minha comunicação pretende desmistificar
ou mesmo desvalorizar o seu próprio conteúdo. A existência de um
grupo Surrealista é sobrevalorizada face ao cenário surrealista
português muito maior e mais abrangente.
O Grupo Surrealista Português existe apenas porque surgiu a
determinada altura a necessidade de trazer para Portugal o termo
surrealismo, passando o surrealismo a existir quase por
decreto. António Pedro já se tinha envolvido com o movimento
surrealista inglês (1936) e começa a referir o movimento em
Portugal. Publica em 1941 Apenas uma narrativa uma antologia
de textos automáticos, algo absolutamente inédito no país. Para
além disso alguns dos futuros membros do movimento surrealista
português conhecem Breton e trazem as ideias do surrealismo francês
para cá.
O grupo de alunos da escola António Arroio que por volta de 1942 se
começa a juntar no café Hermínius tinha já em comum uma série de
ideias que se aproximavam das ideias dos surrealistas franceses,
sobretudo. Acreditavam na necessidade da criação de uma
supra-realidade porque a realidade existente não era material
artístico satisfatório. Para aí chegar teriam de afastar a razão
para chegar a uma arte pura, longe de estereótipos e preconceitos.
Preconizavam o fim da ditadura da razão. Ramos Rosa definia esta
poesia como “ilegível mas não inaudível”, ou seja, imagens
que não fazendo um sentido real e palpável criassem através do
acaso ou da sensação um poema significante no leitor
transformando-o numa parte fundamental e imprescindível da escrita.
Estes
artistas não acreditavam que a arte fosse de elites, estaria por
isso ao alcance de todos. Não queriam uma elite, não acreditam na
separação entre arte e pessoas, não se queriam fechar em regras de
arte ou dogmas relacionados com a história da literatura – ser
surrealista era uma forma de ser e de estar na arte, não algo que se
decida ser. Cesariny:
"Eu
acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um
porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é
surrealista!"
Em 1942 já se reuniam algumas pessoas no café Herminius, alunos da
António Arroio e em 1947 forma-se o primeiro grupo surrealista, o
Grupo Surrealista de Lisboa. Em 1948 deram-se as primeiras
discussões dissidentes. Havia vários surrealismos, mas Cesariny
defendia nesta altura que o Grupo não parecia defender o que ele
denominava surrealismo literário que defendia a absoluta
liberdade de criação, a autonomia de cada um face à
supra-realidade que procurava e o não prender-se a qualquer
convenção. Este surrealismo torna-se então incompatível com a
ideia da existência de um grupo, ou seja, a existência de um grupo
não trazia nada de novo, apenas impedia a livre criação, sem
preconceitos, onde cada artista deveria ser absolutamente diferente
do outro. A revolução possível seria sempre uma revolução
interior e pessoal e não uma revolução exterior, só assim seria
possível chegar à revolução exterior que almejavam.
Em 1949 dá-se a separação e criam-se dois grupos. Por um lado o já
existente, Grupo Surrelista de Lisboa de onde faziam parte O'Neill,
Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira,
José Augusto-França e Vespeira. Destes afastaram-se os Dissidentes
ou os Surrealistas (uma melhor definição para que não se
identifiquem por oposição) com Cesariny, Pedro Oom, António Maria
Lisboa, Henrique Risques Pereira.
O surrealismo não pode ser datado, nem podemos falar de percursores
e herdeiros. Apenas o conceito e o seu entendimento fez com que se
criassem estes grupos que aparentemente queriam o mesmo. No entanto
ser-se surrealista era uma forma de estar na arte por isso teriam
existido antes e depois e sempre.
Os grupos tiveram sobretudo a função de os pôr a pensar,
reflectir, ainda que muitas vezes fosse pela negativa, daí o tão
grande número de discussões, problemas e querelas. Os Surrealistas
formaram-se pela negação de uma postura artística com a qual não
se identificavam, nem eles nem o surrealismo bretoniano. Durante as
dissidências os surrealistas puderam perceber que liberdade era
esta. Não “inventaram” o
surrealismo, pensaram-no e reflectiram-no.
É preciso perceber o que é ser surrealista, em que é que isso
acrescenta o autor, o transforma, o melhora, o torna consistente. É
isso que importa discutir e entender e espero que este congresso esta
semana sirva para nos aproximarmos mais desse entendimento do que é
o surrealismo, nos termos em que os próprios tentaram entender, e
menos fecharmo-nos em discussões históricas e factuais.
Que sirva também este congresso para reflectir no que os
surrealistas ainda podem significar e que sentido nos fazem (que é
tanto) na nossa contemporaneidade. Que o congresso não nos feche em
academismos e sirva para nos tornar o pensamento mais livre como os
surrealistas quereriam, que nos tire do nosso espaço de conforto e
nos liberte. De outra forma estaríamos a ser os nossos próprios
inimigos.
Para tudo isto o importante é ler os surrealistas, para compreender
esta revolução interior, não podemos entender o surrealismo em textos e comunicações. Só nos livros e nos poemas e nos quadros
essa revolução poderá ser não só entendida como atingida em
absoluto. Não há outra forma.