domingo, 29 de dezembro de 2013

"O êxtase e a estase coabitam no mecanismo que crepita da própria devastação, ferrugem. Paragem, fagulhas da imprevista fricção. País com tantos poetas e nenhuma remansosa fluência. A engrenagem involui continuamente por paragens, mises en marche abruptas. Não tenho idade para a nacionalidade que me percebo."

"E se um dia escrever vou ter que ter cuidado com as imagens baratas, com tudo o que é barato e se passa ao lado. Toda a gente quer algo que ao menos imite o,

Elisa, minha querida, que é que estás a ler?
Salgari, pai.
Que abominação minha querida, se te diverte.

custoso."


Maria Velho da Costa
Casas Pardas

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

a imaginação

o gonçalo m. tavares dizia na passada sexta feira que a imaginação é utilizada para nos criar uma outra vida onde possamos defender-nos do quotidiano, daí conseguirmos estar felizes nas situações mais trágicas assim como o oposto. tenho pensado muito nisso estes três dias. há muitas coisas que nos têm distinguido de tudo o resto que existe no mundo. a imaginação é talvez um resumo de tudo isso que não é alma, ou comoção, ou pensamento.
a própria obra literária ou a própria criação vive da imaginação. não enquanto esse terrível conceito que é a inspiração, não me interpretem mal. mas enquanto a criação de um universo que não nos é intrínseco nem despegado. que está nesse sítio transitório, na mediação de nós com esse que é o único sagrado possível. um sagrado que é já despegado de nós mas não nos é exterior não sendo o limbo que pertence à obra e à criação. é esse sítio transitório e a forma de o alcançar que desenha a obra literária. daí que a escrita ocasional, quotidiana, com objectivos que não se prendam unicamente com esse universo só possam estar aquém. aquém da beleza. e aqui não há crítica que adivinhe, nem fórmulas. não é legível ou palpável, nem sequer fácil de intuir. daí acreditar mesmo que essa beleza está dentro da própria obra e não fora dela. feliz o que conseguir lê-la sem nevoeiro.  

posto isto só nos resta concluir que assim é fácil perceber o fascínio disto tudo. é do caraças. 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

a fé e o amor na forma improvável

não gosto do ritual de me sentar a escrever sobre os livros do afonso. já tanto se disse, já tanta gente escreveu sobre este livro que não me apetece acrescentar mais um ponto a um longo texto já escrito por tantos outros.

o afonso foge a muitas das categorias óbvias em que poderia já ter caído. um jovem escritor, talentoso, com boa figura e boa presença poderia, facilmente, cair nas teias da crítica fácil ávida de uma palavra errada, um pé colocado ao lado por estes novos escritores, para criarem um monstro.

não conseguem porque o afonso não põe o pé ao lado e nem faz esforço por não o fazer. é autêntico, no que a palavra tem de melhor. está ali, escreve, vive, marca presença e fala. e fala bem, e tem as palavras não ensaiadas nas alturas mais improváveis e funcionam sempre.
digo estas coisas do afonso porque acho que isto que digo tem ligação com o novo romance dele, para onde vão os guarda-chuvas.

o que quero falar hoje aqui é a forma como o afonso viaja. o livro é uma viagem plena. uma viagem inteira. uma viagem ao paquistão sem nunca se referir o país. uma viagem à intolerância que se deixa esmagar  pelo amor sem que isso nunca se veja em lado nenhum. é um livro sobre o amor. sem cliché nenhum. sem cliché nenhum, repito, antes que desistam já aqui deste texto.
é um livro sobre o amor.

sobre o amor. e é difícil falar do amor num planeta onde os livros falam todos sobre o amor mesmo quando o amor não interessa nada. mas aqui interessa. fala do amor absolutamente improvável. em todo o lado. fala do que se parte e do que parte com a morte, em primeiro plano. e fala do amor que se conquista que nem sempre é o que se precisa. e do amor que é criminoso porque não entende as barreiras do que deve ser aceite e indestrutível.

e é uma viagem pela religião. quem me conhece sabe que tenho um grande fascínio pelo estudo das religiões, com uma considerável distância. aqui tenho de parar num episódio que li muitas vezes, que repeti incansavelmente até entender o peso que teve no que estava a ler e no que seria aquela história a partir dali. a certa altura conta-se a história de alguém a quem o pai obriga a ler a Bíblia e que, não querendo lê-la, lê e decora passagens de outros livros. Elahi apanha uma parte da Alice no País das Maravilhas pensando que é da Bíblia e interpreta-o à luz da fé católica com algum encanto e com o encontro de Deus. daquele Deus. o livro é isto. é sempre isto. uma interpretação de uma religião que é uma forma de agir que é uma forma de não sofrer que é uma forma de amar.

o afonso atingiu aqui um ponto profundo da escrita dele. como se descansasse de desenhar a escrita e a tornasse visceral. descreve personagens banais transformando-as nas pessoas da porta ao lado, mas da nossa porta ao lado, indispensáveis e parte da nossa pele.

e chegou a altura de falar de Isa. o expoente de uma liberdade que não se deseja. o retrato de uma tempestade que é ainda uma criança. um miúdo, americano, adoptado para permitir o perdão e a paz. o Isa substitui a religião tornando-se para esta família o verdadeiro acto de fé. e que como todas as fés não pode existir em paz, nem em consenso, nem em harmonia. e ao ser a fé de uns é a heresia de outros. é uma guerra que traz Isa, sobretudo dentro do espaço que ele terá de ocupar, vivendo no seu corpo as incoerências, desesperos e paixões de uma religião.

escarlatina escarlatina escarlatina
é a oração de Isa. capaz de muito mais do que eu alguma vez consegui com os meus tipos de fé.

no dia do lançamento o afonso disse uma coisa que tenho andado por aí a repetir e a pensar e a escrever. que no universo há muitos sítios para algo estar desarrumado e apenas um para se estar arrumado o que complica o encontrar onde estar no sítio certo.

e aqui entre nós afonso, eu tu e aqueles que já leram o livro, a forma como descreves o sítio onde o Isa encontrou o seu lugar para estar arrumado é dos momentos mais perfeitos que eu já vi em tantos livros que já li. no precipitar de uma tragédia há finalmente a paz. não a paz que podíamos esperar, de todo. a paz da escarlatina. e é de uma beleza absolutamente estonteante. e o livro parou no sítio certo. ali, no sítio certo de Isa, à beira de um abismo que impossibilitaste de existir. ficou o Isa encaixado e nós na pele com a sensação da quase queda quando tudo o que ainda se vê é só o céu. mesmo antes da queda, a que nunca existe, porque o livro chegou ao fim.





quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

palavra do dia

desarmado
desprotegido do que não protege, só limita
destruir palavras acessórias e tóxicas
melhor que armado


Significado de Desarmado

adj. Desprovido de armas: um militar desarmado.
Militar. Que não possui armamento: uma nação desarmada.
Marinha. Desprovido de munição etc; que não está apto para navegar: embarcação desarmada.
Figurado. Sem defesa, desprevenido: ele apanhou muito porque estava desarmado.
Figurado. Sujeito necessitado ou desprovido de algo: sujeito desarmado de determinação.
Sem adornos ou enfeites.
Zoologia. Que não possui maneira para se defender ou que não possui chifres, garras etc.
(Etm. Part. de desarmar)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

a palavra do dia é

uma grande tristeza. uma palavra absurdamente preconceituosa no priberam. a nossa cultura ocidental desenhou alguns conceitos que nos reprimem e nos tornam vítimas de uma necessária subserviência ao outro, sempre em linhas descendentes.
pois que não gosto nada disso. o respeito deveria ser horizontal. deveria ser a procura do outro no que o outro tem de pleno e real - dentro da acepção que o próprio pretende espelhar. o respeito enquanto entendimento pleno do outro agrada-me mais.
portanto meus caros eu reinvento o dicionário se tiver de ser mas respeitar é dizer e fazer coisas desagradáveis, não aceitar a deferência perante os outros pois isso diminui sempre os dois lados, defendo que só se respeita o outro se não nos submetermos, nem contentarmos, nem obedecermos, nem acatarmos mas antes entendermos o outro em pleno. respeitar é não ter medo, é saber que se é, em absoluto, e que é isso que passamos ao outro e que queremos que o outro nos passe a nós.


damn you priberam. 


res·pei·to
(latim respectus, -us, acção de olhar para trás, espectáculo, atenção)
substantivo masculino

1. Sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém.

2. Apreço, consideração, deferência.

3. Acatamento, obediência, submissão.

4. Medo do que os outros podem pensar de nós. = RECEIO, TEMOR

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

home



L'exigence d'une lumière plus vive emane toujours de la vie quotidienne, de la necessité, ressentie par chacun, d'harmoniser son rythme de promeneur et la marche du monde.
 

Raoul Vaneigem
Traité de savoir-viver à l'usage des jeunes générations


 
[homehomehomehomehomehomehomehomehomehomehomehome]

a palavra do dia é

não leiam este post de cabeça solta. concentrem-se na pluralidade fascinante que uma só palavra pode conter. a vossa vida, meus caros, nunca mais será igual. alarguem os horizontes. utilizem a língua sem juízo.
(afirmações peremptórias tenho eu aos montes para vos oferecer. sabem que sim)

cur·tir
(origem controversa)
verbo transitivo

1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.

2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.

3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR

4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.

5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER

6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER

7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo

8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR

9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.



via Priberam
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(creio que terei umas próximas noites do caraças)

"Este termo, hesitante, parece-nos fundamental. Um avanço hesitante: eis um método; avançar, não em linha recta mas numa espécie de linha exaltada, que se entusiasma, que vai atrás de uma certa intensidade sentida; avanço que não tem já um trajecto definido, mas sim um trajecto pressentido, trajecto que constantemente é posto em causa; quem avança hesita porque não quer saber o sítio para onde vai - se o soubesse já, para que caminharia ele? Que pode ainda descobrir quem conhece já o destino?"

(é que vou já escrever sobre isto)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

um poema da margarida

Escadas de incêndio

Desci a correr pelas escadas de incêndio
de betão, expostas ao vento mais do que ao sol.
Suportei a velocidade áspera na mão esquerda
dei a um filho o flanco,
outra criança por um braço,
e provavelmente um par de asas seguiu-nos
mas não ousei virar-me porque diante de mim uma
outra perspectiva da cidade.

Caminho agora de igual modo todas as horas,
repito os gestos essenciais
com esmero, a melhor memória, desvelo.
Sei-os de cor e desenho-os
com os meus dedos, como novos.
Confirmo: sou a mesma que cozinha no mesmo fogão
a gás, outra água, outro combustível,
tomilho, a pedra mármore intemporal.
Mais eficaz do que essa escada secreta e tosca,
a repetição salva-nos. Um erro
nunca pode ser emendado, nem quase isso.
Não há lugar mais firme senão escondida
a falha
debaixo da acumulação das tarefas
normais
repetidas com esforço, zelo, sem excessos:
E sobre o tapete uma coreografia monocórdica,
segura, faz dos dias
dias em que não se usa a escada de incêndio.


Margarida Ferra

O Grupo Surrealista de Lisboa: da formação às dissidências

resumo da comunicação proferida no Congresso Surrealismo(s) em Portugal, Nov 2013
  
Começo por avisar que a minha comunicação pretende desmistificar ou mesmo desvalorizar o seu próprio conteúdo. A existência de um grupo Surrealista é sobrevalorizada face ao cenário surrealista português muito maior e mais abrangente. 

O Grupo Surrealista Português existe apenas porque surgiu a determinada altura a necessidade de trazer para Portugal o termo surrealismo, passando o surrealismo a existir quase por decreto. António Pedro já se tinha envolvido com o movimento surrealista inglês (1936) e começa a referir o movimento em Portugal. Publica em 1941 Apenas uma narrativa uma antologia de textos automáticos, algo absolutamente inédito no país. Para além disso alguns dos futuros membros do movimento surrealista português conhecem Breton e trazem as ideias do surrealismo francês para cá.

O grupo de alunos da escola António Arroio que por volta de 1942 se começa a juntar no café Hermínius tinha já em comum uma série de ideias que se aproximavam das ideias dos surrealistas franceses, sobretudo. Acreditavam na necessidade da criação de uma supra-realidade porque a realidade existente não era material artístico satisfatório. Para aí chegar teriam de afastar a razão para chegar a uma arte pura, longe de estereótipos e preconceitos. Preconizavam o fim da ditadura da razão. Ramos Rosa definia esta poesia como “ilegível mas não inaudível”, ou seja, imagens que não fazendo um sentido real e palpável criassem através do acaso ou da sensação um poema significante no leitor transformando-o numa parte fundamental e imprescindível da escrita.

Estes artistas não acreditavam que a arte fosse de elites, estaria por isso ao alcance de todos. Não queriam uma elite, não acreditam na separação entre arte e pessoas, não se queriam fechar em regras de arte ou dogmas relacionados com a história da literatura – ser surrealista era uma forma de ser e de estar na arte, não algo que se decida ser. Cesariny: "Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!"
Em 1942 já se reuniam algumas pessoas no café Herminius, alunos da António Arroio e em 1947 forma-se o primeiro grupo surrealista, o Grupo Surrealista de Lisboa. Em 1948 deram-se as primeiras discussões dissidentes. Havia vários surrealismos, mas Cesariny defendia nesta altura que o Grupo não parecia defender o que ele denominava surrealismo literário que defendia a absoluta liberdade de criação, a autonomia de cada um face à supra-realidade que procurava e o não prender-se a qualquer convenção. Este surrealismo torna-se então incompatível com a ideia da existência de um grupo, ou seja, a existência de um grupo não trazia nada de novo, apenas impedia a livre criação, sem preconceitos, onde cada artista deveria ser absolutamente diferente do outro. A revolução possível seria sempre uma revolução interior e pessoal e não uma revolução exterior, só assim seria possível chegar à revolução exterior que almejavam.

Em 1949 dá-se a separação e criam-se dois grupos. Por um lado o já existente, Grupo Surrelista de Lisboa de onde faziam parte O'Neill, Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José Augusto-França e Vespeira. Destes afastaram-se os Dissidentes ou os Surrealistas (uma melhor definição para que não se identifiquem por oposição) com Cesariny, Pedro Oom, António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira.

O surrealismo não pode ser datado, nem podemos falar de percursores e herdeiros. Apenas o conceito e o seu entendimento fez com que se criassem estes grupos que aparentemente queriam o mesmo. No entanto ser-se surrealista era uma forma de estar na arte por isso teriam existido antes e depois e sempre.

Os grupos tiveram sobretudo a função de os pôr a pensar, reflectir, ainda que muitas vezes fosse pela negativa, daí o tão grande número de discussões, problemas e querelas. Os Surrealistas formaram-se pela negação de uma postura artística com a qual não se identificavam, nem eles nem o surrealismo bretoniano. Durante as dissidências os surrealistas puderam perceber que liberdade era esta. Não “inventaram” o surrealismo, pensaram-no e reflectiram-no.

É preciso perceber o que é ser surrealista, em que é que isso acrescenta o autor, o transforma, o melhora, o torna consistente. É isso que importa discutir e entender e espero que este congresso esta semana sirva para nos aproximarmos mais desse entendimento do que é o surrealismo, nos termos em que os próprios tentaram entender, e menos fecharmo-nos em discussões históricas e factuais.

Que sirva também este congresso para reflectir no que os surrealistas ainda podem significar e que sentido nos fazem (que é tanto) na nossa contemporaneidade. Que o congresso não nos feche em academismos e sirva para nos tornar o pensamento mais livre como os surrealistas quereriam, que nos tire do nosso espaço de conforto e nos liberte. De outra forma estaríamos a ser os nossos próprios inimigos.

Para tudo isto o importante é ler os surrealistas, para compreender esta revolução interior, não podemos entender o surrealismo em textos e comunicações.  Só nos livros e nos poemas e nos quadros essa revolução poderá ser não só entendida como atingida em absoluto. Não há outra forma.

domingo, 1 de dezembro de 2013

de volta à maratona


inscrever e divulgar como se não houvesse amanhã!




"A actividade surrealista não é uma simples purga seguida de um dia de descanso a caldos de galinha, mas revolta permanente contra a estabilidade e cristalização das coisas" (António Maria Lisboa)

Vamos ter Cesariny, Pacheco, O'Neill, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa e outros. Vamos ter surrealismos e dadaísmos e outros ismos inventados por nós. Vamos conviver surrealisticamente. Vamos pensar surrealisticamente. Vamos surrealisticar. Podem vir a horas ou chegar atrasados. Podem vir ao contrário. Podem não vir.


Pó dos Livros
inscrições: podoslivros@gmail.com // 21 795 93 39
Av. Marquês de Tomar, Lisboa

4as feiras de janeiro' 14
21h
35€ (descontos para desempregados e estudantes)
(o pagamento pode ser feito no primeiro dia do curso ou antes) 


evento facebook para aderir e divulgar. obrigada!

a propósito do dia dos livreiros e das livrarias

"O Encontro Livreiro pediu-me que escrevesse este texto neste dia e eu não sou livreira. Aceitei sem hesitar, como sempre, sobretudo porque acredito que este dia não deverá ser, no limite, sobre os livreiros e sim sobre os leitores. É essa a minha condição aqui, de leitora. No entanto há uma definição que o Manel Medeiros dava dos livreiros onde dizia que estes publicam a leitura. Nesse sentido considero-me livreira sim, porque quando me é impossível definir o meu projecto com os livros a única definição possível é que tento criar leitores. Vários tipos de leitores, diferentes tipos de leitores. Mas nunca maus leitores. E não me venham dizer que não há isso de maus leitores, há, claro que sim. Os livros têm connosco um papel fundamental na nossa formação, no nosso pensamento, na nossa forma de agir. Essa responsabilidade é de tal forma gigante e sagrada que seria, no mínimo, um desrespeito dizermos que se pode ler seja o que for que é igualmente bom.

Começa a ser raro vermos quem sinta a verdadeira importância do livreiro nos seus quotidianos. A própria profissão é desconhecida, ainda, para muitos. Na verdade é também difícil de definir, há livreiros que não trabalham em livrarias e há vendedores de livros que não são livreiros. Na verdade os leitores começam a deixar de acreditar que precisam de intermediários para a leitura. Num mundo tão cheio de estímulos, com a internet inundada de opiniões que se dão com a facilidade de um clique, nem sempre os livreiros são vistos como mediadores da leitura. Não podemos esquecer que há mais leitores e mais diversificados. Esse facto também leva a que muitos destes se tenham formado longe da figura do livreiro. Noutros sítios.

Vender livros não é igual a vender outro produto qualquer. Não o é em nenhum dos sentidos. Um livreiro não vende um produto apenas. Vende ligações a esse produto, vende outros livros. Vende um livro que corresponde a uma ideia, um anseio, uma vontade de conhecimento, uma dúvida pequena. Um livreiro fará um bom negócio (e não podemos esquecer que uma livraria é um negócio) se conseguir que um cliente passe a leitor. Para isso é preciso ensinar a um cliente que nada se lê isoladamente, os livros não existem entre a capa e a contra-capa. Um livreiro torna-se um bom livreiro se for um agente de ligações, se funcionar como o motor que instala no leitor esse vírus das ligações. Quem o consegue são por vezes pessoas improváveis, em livrarias improváveis, noutros sítios que não são livrarias, por pessoas que não vendem livros. Nas estantes dos desconhecidos, nas estantes dos amigos. Em blogs, nas redes sociais ou nas conversas de cafés.

Ser livreiro é criar leitores. Só assim as livrarias podem sobreviver enquanto negócio. Posto isto é fácil afirmar que as livrarias são sítios de crescimento, de criação e aprendizagem. Daí a nossa responsabilidade em mantê-las vivas e a funcionar, quando pensamos onde vamos comprar um livro. São os leitores que as fazem existir mas por trás de cada uma há livreiros que são a porta da livraria. Os nossos agentes de ligações. Aqui na Culsete há dois, a Fátima e o Manel. Hoje esta mais que merecida homenagem é a eles e aos leitores que eles criaram. Não temos de ter muitas palavras porque são 40 anos a mostrar, com esta porta aberta, com o reconhecimento dos subscritores do diploma Livreiro da Esperança Especial, com o nome que tão facilmente é reconhecido em qualquer lado, com o Encontro Livreiro que nasceu aqui, que são livreiros à séria, que deixam e continuam a deixar o melhor de todos os legados, uma fila interminável de leitores."

texto lido na Culsete, a 30 de Novembro de 2013