sexta-feira, 26 de agosto de 2011

a revolução nunca estará fora de moda

Pode prender-se um homem e pô-lo a pão e água. Pode tirar-se-lhe o pão e não se lhe dar a água. Pode-se pô-lo a morrer, pendurado no ar, ou à dentada com cães. Mas é impossível tirar-lhe seja que parte for da liberdade que ele é.
Ser-se livre é possuir-se a capacidade de lutar contra o que nos oprime. Quanto mais perseguido mais perigoso. Quanto mais livre mais capaz.
Do cadáver dum homem que morre livre pode sair acentuado mau cheiro - nunca sairá um escravo.
Cesariny



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

o grande vila-matas



o primeiro foi para mim, o segundo para o meu irmão. uma leitura gémea de um sempre grande escritor. mas este é especial. como se todos os temas e situações que vão surgindo estivessem ligados comigo. intertextualidades, muitas. comigo, com jantares, com histórias, com conversas. deixem-me acabar de ler e falo-vos mais disto. promete. é uma pérola so far!

mais aqui. uma entrevista aqui.

aqui a crítica.

"Vila-Matas, não se afastando da forma tradicional do romance psicológico (e também de ideias), conta-nos a história de Samuel Riba, homem de sessenta anos, judeu por parte de mãe, que gosta de se ver a si próprio "como o último editor" culto e literário. Para evitar a falência, fechou há dois anos a editora em que ao longo da vida foi construindo um prestigiado catálogo. Numa recente viagem a Lyon, Riba (assim é conhecido no mundo literário) conseguiu fabricar uma teoria geral do romance, assente em cinco pontos, e inspirada no livro de Julien Gracq, "Le Rivage des Syrtes". Apesar de tudo, na sua vida continua a lamentar não ter "descoberto um autor desconhecido que tivesse acabado por se revelar um escritor genial"; e este génio é ao longo do livro uma espécie de presença fantasmagórica.[...]
Para ele, a literatura como um organismo vivo, tinha chegado ao topo da sua vitalidade com o "Ulisses" de Joyce, e agora conhecia "o começo da dura decadência da forma física, o envelhecimento, a descida ao molhe oposto do esplendor de Joyce, a queda livre em direcção ao porto das águas turvas da miséria, aí onde nos últimos tempos, e desde há já muitos anos, passeia uma velha prostituta com uma coçada gabardina irrisória, na ponta de um molhe varrido pela tempestade e o vento."
Então, Riba tem a ideia de ir a Dublin no "Bloomsday" (mais uma viagem literária, como são todas as de Vila-Matas) fazer o elogio fúnebre da "era Gutemberg". E inspira-se, obviamente, nas cerimónias de passamento do célebre sexto capítulo do "Ulisses", de Joyce, em que a personagem Bloom, às 11 da manhã do dia 16 de Junho de 1904 (o "Bloomsday"), participa juntando-se ao grupo que vai ao cemitério despedir-se do "morto do dia", e atravessa Dublin num carro onde vão Dedalus, Cunningham e Power, que olham Bloom como se este fosse um forasteiro, sabendo-o judeu e mação. Samuel Riba (o Bloom de Vila-Matas) faz-se também acompanhar a Dublin por três amigos, todos escritores."

José Riço Direitinho
 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ele fazia hoje 88 anos



o nosso cesariny fazia hoje 88 anos. estou aqui a olhar para este computador e esta página em branco e não consigo falar dele. só me vêm à cabeça palavras do Autografia. e por isso deixo-vos o Autografia. e o statement de que sinto mesmo amor pelos poemas e pinturas do cesariny. mesmo amor, à séria, daquele que damos apenas com peso e medida. daquele amor que cada livro que lemos sua as estopinhas para conseguir um pequeno rasto. um resto, um rasgo, o que seja. e em forma de parabéns leiam este poema devagar. no meu último workshop de surrealismo apresentei este poema e podíamos estar (e quase estivemos) longas horas a partilhar leituras. Todos tinham leituras diferentes e eu que o sabia de cor descobri leituras muito diferentes da minha. é isto o cesariny!

Autografia
sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

bela bela bela entrevista bela bela

"Nenhum ser humano difere tanto de nós que não o possamos entender" 

Como captou aquele universo? Eu acho sinceramente que nós temos as respostas para todas as preocupações das pessoas. Somos seres humanos. E nenhum ser humano difere de nós tanto que não o possamos entender. Intensificando as questões nós encontramos as respostas cá dentro. E através disso colocamo-nos no lugar dos outros. Acredito que esta espécie de inteligência emocional nos permite chegar ao lugar do outro. Eu parti para aquele livro, a partir de um episódio passado num café, em que alguém disse: " Detesto esses gajos, detesto ucranianos e detesto brasileiros". Foi tudo tão liminar e aquilo agrediu-me. E lembro-me de na altura pensar: "deves chegar ao fim do dia muito cansada por odiar tantos milhões de pessoas". E achei que aquela questão me interessava, ainda por cima somos um país de fazer estrangeiros lá fora. Depois, tive uma conversa com um rapaz de 14 e uma conversa menor com um rapaz de 18. E foram os ucranianos que conheci melhor. Só depois de ter publicado o livro é que os ucranianos se aproximaram. Um, em Lisboa ofereceu-me um colar da sorte. E eu fiz-lhe uma pergunta que era muito importante para mim: "Se o meu livro respeitava o povo dele?" e ele disse-me que sim. Ele emocionou-se e eu também.

Por falar em livros, o próximo chama-se "O filho de mil homens". É assim? Sim, é.

Está escrito? Está acabado e vai sair em Setembro. Vai entrar em impressão nos próximos dias. Estamos a terminar a capa.

É uma obra com muitas personagens, com poucas, mais focado? Tem muitas personagens. Acabo sempre por criar uma boa vizinhança.

É autobiográfico? Não é. Mas parte de uma premissa que coincide comigo. Não tive filhos e quero ter filhos. E vou fazer 40 anos e o Crisóstomo, a personagem principal, vai fazer 40 anos. E o Crisóstomo anda muito angustiado. Eu não posso dizer que ando assim tão angustiado. No Brasil, devem ter achado isso. Mas é uma coisa que começo a perceber agora. A falta dos filhos atinge-me.

É uma falta sentida recentemente? Surgiu há coisa de dois, três anos. Antes adorava as criancinhas nos colos dos papás, mas achava que não tinha condições de organização para cuidar de alguém, que me ia esquecer dele. Subitamente, parece-me que não é assim, que não me ia esquecer de lhe dar de comer.



(valter hugo mãe)

tudo para gostar aqui. e atenção aos comentários. a mim não me desgosta que haja tanta gente que ainda não o percebeu. dá-me um certo gosto de piscar de olhos. 

belo início de Dublinesca. belo vila-matas.

Pertenece a la cada vez ya más rara estirpe de los editores cultos, literarios. Y asiste todos los días conmovido al espectáculo de ver cómo la rama noble de su oficio -editores que todavía leen y a los que les ha atraído siempre la literatura- se va extinguiendo sigilosamente a comienzos de este siglo. Tuvo problemas hace dos años, pero supo cerrar a tiempo la editorial, que a fin de cuentas, aun habiendo alcanzado un notable prestigio, marchaba con asombrosa obstinación hacia la quiebra. En más de treinta años de trayectoria independiente hubo de todo, éxitos pero también grandes fracasos. La deriva de la etapa final la atribuye a su resistencia a publicar libros con las historias góticas de moda y demás zarandajas, y así olvida parte de la verdad: que nunca se distinguió por sus buenas gestiones económicas y que, además, tal vez pudo perjudicarle su fanatismo desmesurado por la literatura.

Samuel Riba - Riba para todo el mundo - ha publicado a muchos de los grandes escritores de su época. De algunos tan sólo un libro, pero lo suficiente para que éstos consten en su catálogo. A veces, aunque no ignora que en el sector honrado de su oficio quedan en activo algunos otros valerosos quijotes, le gusta verse como el último editor. Tiene una imagen algo romántica de sí mismo, y vive en una permanente sensación de fin de época y fin de mundo, sin duda influenciado por el parón de sus actividades. Tiene una notable tendencia a leer su vida como un texto literario, a interpretarla con las deformaciones propias del lector empedernido que ha sido durante tantos años. Está, por lo demás, a la espera de vender su patrimonio a una editorial extranjera, pero las conversaciones se encuentran encalladas desde hace tiempo. Vive en una potente y angustiosa psicosis de final de todo. Y aún nada ni nadie ha podido convencerle de que envejecer tiene su gracia. ¿La tiene?

 Dublinesca

Enrique Vila-Matas

Debolsillo, 2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

carta da senhora Émile Teste

(em resposta às conversas estrada fora sobre o que é isto de ler)

Como sabe, [o Senhor Teste] raramente lê qualquer coisa com os seus olhos; dá-lhes um estranho uso e como que interior. Ou direi, por outra, particular. Mas não, nada disto. Não sei com exprimir-me; admitamos que ao mesmo tempo interior, particular e... universal!!! São belíssimos, os olhos dele; gosto que sejam assim, maiores um pouco do que tudo o que é visível. Nunca sabemos se há coisa que lhes escape - ou pelo contrário - para ele o mundo não é simples pormenor de tudo o que vêem, mosca-volante que pode obcecar-nos sem existir.

Senhor Teste,
Paul Valery

Edições Antipáticas

eles são importantes e nós gostamos deles.
publicaram isto (ler, ler, ler):

http://www.scribd.com/doc/39121516/Appel-Edicoes-Antipaticas

e isto (é grande):


e isto:







e mais coisas.
e vende-se aqui, um sítio onde devemos ir sempre para sermos antipáticos, vermos cinema em bom, bebermos moscatel em bom e outras coisas boas.
há livros que não devíamos deixar escapar.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

que isto são sensações de angústia

que isto são sensações de angústia. cansaço de palavras como flores. vida calma, paz e tranquilidade na escrita. é preciso outras coisas. é preciso artaud, al berto, valery, rimbaud. preciso de rimbaud e de pensar nas vontades que ele teve com aquelas mãos e que pôs tudo impiedosamente em papéis soltos e iluminados. é preciso testar. e é tão preciso saber dizer como LER. LER LER LER LER. não passar os olhos sobre manchas de tinta. é preciso emprestar livros, manchá-los de café, ouvir as capas a rasgar, colar lentamente as capas com fita-cola barata ao som da música de todos os dias. é preciso inventar carimbos para os livros para os ir escrevendo até à última leitura que treme por uma que será, aí sim, quem sabe, a última.

temos de nos desconfortar. amantizar. problematizar. desconformar. desrealizar. des-saber. desdizer.
angustiar. desensinar. desescrever.

porque escrever não é juntar letras. é saber dar horas de conversa com uma garrafa de vinho, e perder um pouco do sono de noite. e de dia. escrever é pedir-nos desesperadamente que percebamos todas as palavras mesmo que para isso tenhamos de desaprender cada uma das letras.

insaciem-se.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

just kids, de patti smith

gosto da patti smith. e gosto do "deixa-os que são apenas miúdos". e gosto do robert mapplethorpe. gosto do hotel chelsea. gosto de nova iorque, muito. gosto daquela(s) amizade(s). quero sê-los a todos e viver nos limites do dinheiro mas no auge de mim. quero escrever poesias e encher as paredes de desenhos. quero ter à escolha cachorros quentes ou contas para fazer um colar. quero ter na mala um portfolio e mais nada. quero ter as roupas como se fossem personagens. quero não ter nada e só ter pessoas e uma guitarra em segunda mão. quero esta vida e a minha com estas mesmas arestas. quero o just kids na mala de todas as pessoas para perceberem que antes da morte existe a vida. e ela constrói mãos que nos tapam os buracos do chão.

Apenas Miúdos
de Patti Smith
Vencedor do National Book Award
Edição/reimpressão: 2011
Páginas: 344
Editor: Livros Quetzal
ISBN: 9789725649565
Colecção: Serpente Emplumada

esta malta vem arrasar esta cena toda

http://senhor-teste.blogspot.com


Primeiro Teste

Num mundo em que o Leitor é tido como lunático, romântico e terrível criatura em vias de extinção; o Sr Teste propõe uma resistência pacífica mas não passiva. Simples , não simplista. Criar uma comunidade de Leitores em que a escrita e a leitura ainda são tidas como mui nobre e antiqua arte. Ler como respirar. Ler como descodificar. Ler como decifrar. Não só livros. Não só música. Não só objectos. Mas ideias. Corpos. Rostos. Olhos. 
O Sr Teste sugere aproximações. O Sr Teste sugere conhecimento. O Sr Teste sugere comunicação. O Sr Teste sugere cruzamentos.

Teste sugere explosão Teste sugere partilha Teste sugere brilho nos olhos Teste sugere liberdade Teste sugere sol Teste sugere pensamento Teste sugere passeio Teste sugere trabalho Teste sugere canetas bic pretas Teste sugere felicidade Teste sugere paz Teste sugere ténis coloridos Teste sugere poesia Teste sugere vida Teste sugere sensibilidade Teste sugere perspectivas Teste sugere começar tudo de novo Teste sugere sorrisos Teste sugere uma torre na bica com vista para o tejo Teste sugere vegetais Teste sugere não comer pão do dia anterior Teste sugere tempo Teste sugere sagrado Teste sugere dentadas Teste sugere som Teste sugere rodopio Teste sugere dormir Teste sugere acordar Teste sugere força Teste sugere resistência Teste sugere palavras Teste sugere deslumbramento Teste sugere erro Teste sugere coragem Teste sugere alucinações Teste sugere acordar às 4am e passear por Lisboa Teste sugere observação do senhor do jardim do príncipe real a dar de comer aos pássaros Teste sugere técnica Teste sugere improviso Teste sugere atenção...atenção...atenção...pois se estamos rodeados de sinais...devemos ler.


No entanto isto é só um Teste entanto isto é só um Teste isto é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste é só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste  só um Teste 
e-mail para cenas e tal e muitas outras coisas:  assimparece@gmail.com

a dulce maria cardoso...

... não chega ao sítio certo. talvez há uns anos o Chão dos Pardais enchesse algumas das minhas medidas. podia ser que sim. mas hoje não pode ser. desde que do nosso chão rebentam cogumelos de genialidade, desde que outros génios nos chegam por vias tão à mão, é preciso ser mais. é preciso dar estaladas a quem lê as nossas linhas. é preciso dizer asneiras das feias cada vez que uma linha nos faz saltar da cadeira. é preciso. peço desculpa aos escritores que nos fazem festinhas no braço e nos fazem passar um "bom bocado" ao sol na praia. para mim já não dá. já não chega. já não quero.
digo desde já se suscitei algum tipo de comichão a algumas pessoas que não é um mau livro. não é. só não é um livro suficiente. para mim claro. mea culpa, certamente.