sábado, 9 de março de 2013

o afonso e o meu já livro do ano

"há coisas que não se podem guardar em frascos, como os beijos e os dentes que ainda não caíram e os pensamentos e a luz das velas."
afonso cruz

já disse tanto sobre o afonso, sobretudo sobre a capacidade que ele tem de fazer um livro em absoluto diferente de outro. e continua. a fasquia sobe e ele salta olimpicamente por cima dela. com uma postura intocável de independência face ao meio, aos críticos, aos editores. não me interpretem mal, não digo que lhes vira as costas, digo apenas que é autêntico. é isso que ele é. autêntico. e para além de essa característica ser só por si um tesouro, nos tempos que vivemos de uma metamorfose assustadora das características do que deve ser um escritor, encontrar um "afonso" deixa-nos respirar um bocado e fazer as pazes com a literatura.

este livro do ano tem uma narradora, uma menina pré-adolescente com um irmão mais velho parecido com o meu. se calhar por isso acho que esta narradora se dilui em nós, ou nós nela, o que é bastante diferente.
(será desnecessário acrescentar que toda a boa literatura é uma parte da autobiografia que gostaríamos de conseguir escrever.)
ela pensa em coisas que, podemos dizer, "não cabem na cabeça de ninguém". mas o que ela descobre cabe em todas as cabeças. o afonso revira a realidade e interpreta o quotidiano de uma forma que só o tem a ele como autor. e faz-nos ser autores das nossas próprias conclusões. não vou dizer muito mais sobre o livro do ano. só vos aconselho a que se preparem. e que leiam isto aos vossos miúdos e que leiam em silêncio e que leiam em voz alta e que o leiam aos bocados. neste ano cabem 367 dias. mas livros cabem muitos mais.

"15 de junho
como hoje choveu, decidi guardar alguma chuva no frasco que era de doce de morango e de pó de borboletas. vou usá-la no outono. tenho reparado que a grande diferença entre o outono e a primavera é que no outono as plantas morrem e na primavera nascem. a diferença só pode estar na chuva. a da primavera faz crescer e a outra faz morrer.
o meu irmão diz que sou maluca. mas eu sei que a culpa é da água. no outono irei provar que tenho razão. deitarei na terra água da chuva da primavera. deitarei primavera no outono."
afonso cruz

o livro do ano
alfaguara
2013


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