quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

o raio do guito

estou há uns tempos para escrever sobre o dinheiro e os trabalhos remunerados mas tem-me faltado a coragem. coragem é a palavra certa. mas já que entrei numa sequência de batalhas perdidas entro nesta também que não sendo bem uma batalha é polémico qb para dar más respostas ou, pelo menos, silêncios sepulcrais que é o que tenho recebido quando a polémica ultrapassa o risco. tentarei não o fazer. avante.
primeiro vamos ao mote disto. ontem, numa entrevista, perguntavam se o meu objectivo com o LEVA era fazer dinheiro com ele numa fase posterior. gaguejei um bocado e respondi que não, porque se o fizesse, não era o LEVA, era outra coisa. de todos os aspectos do LEVA o que tem sido mais difícil de explicar e até de aceitar (houve quem achasse um verdadeiro disparate, que "assim não pode ser") é o facto de o trabalho não ser remunerado, ser tudo feito com voluntariado. na verdade esta questão tem dois lados, uma que me faz sentido a mim enquanto pessoa que trabalha e não recebe e outra para o cliente, que não paga. não se trata aqui de grandes altruísmos ou sentimentalismos. eu diria que é uma questão de equilíbrio. o facto de termos uma incapacidade qualquer que não resulta de uma opção nossa não deveria limitar-nos mais do que aquilo que seria absolutamente indispensável. era incapaz de dizer que fazia audio-livros por encomenda e cobrar por eles, sabendo que o preço seria um disparate porque, e como exemplo, este livro que vou gravar agora tem 400 páginas e possivelmente umas 30 horas de gravações e sei lá quantas mais de estúdio. seria um produto de luxo e eu não creio que um livro deva ser um produto de luxo para quem não o pode ler em papel uma vez que não o é para quem pode. não posso alimentar esse mercado nem cometer esse género de exploração financeira de um tipo de clientes que não escolheu a razão pela qual necessita desse tipo de luxos.
por outro lado eu não quero receber dinheiro por este trabalho. uma das grandes razões de frustração em relação ao que sou e à vida que tenho hoje é sentir que o dinheiro se tornou em muitos casos um veículo de decisão para aquilo que é a minha vida, uma vez que preciso da independência, autonomia e liberdade que o facto de ter o trabalho que tenho me dá. na verdade faço muitos trabalhos e sempre fiz que não são remunerados, talvez quase a totalidade dos eventos que organizei e projectos em que me envolvi não eram remunerados. e na verdade é interessante ver como o máquina se transforma e aquilo que fazemos passa a ter o único propósito da finalidade do projecto. e isso, posso-vos garantir, é único. o amor que ganhamos ao que fazemos, a dedicação, a alegria de ver os resultados é incomparável.
no entanto não sou fundamentalista nem anti-remuneração. os cursos que dou são sempre pagos e isso tem a ver com uma razão muito simples. quando prestamos um serviço profissional a alguém ele é validado pela remuneração (e nem imaginam o que me choca dizer isto mas tive provas disto muitas vezes). ninguém se choca que uma conferência seja gratuita, ou um concerto, ou algo que entre na categoria dos tempos livres (daí alguns concertos serem obviamente pagos e outros não, mas isso era outra conversa). no entanto quando vamos para aprender alguma coisa, como é o meu caso, o pagamento valida a minha actividade. quem confiaria num dentista gratuito? ou num explicador de matemática? e depois há o outro lado dos pagamentos que nos casos dos meus cursos também se aplica - a sustentabilidade de alguns negócios que por mais válidos que sejam longe da máquina financeira têm de sobreviver - e neste caso faz sentido que um curso feito numa livraria seja pago.
com isto tudo o que quero dizer é que é importante aprendermos a viver à margem da remuneração. sei que para muita gente não é possível, mas não é por isso que não é uma experiência fundamental. o dinheiro é tóxico. aqui não cedo. e se calhar tudo isto que faço é para me esquecer que é o dinheiro quem me prende há muito tempo a uma vida que não gosto e que durante muito tempo me impediu de ter a vida que eu quis o que me marcou de uma forma muito mais violenta do que imaginam. e sabem que não me fico. e fui criando uma forma de estar em que, invariavelmente, não penso que um pedido de ajuda ou uma hipótese de uma organização de evento, ou uma perninha num sítio qualquer seja remunerado. e não digo que não quando o é, claro. e sei que não abdico da minha viagem anual a países cada vez mais estranhos ou dos meus três ou quatro livros por mês e dos infindáveis jantares em minha casa com as oito pessoas que lá cabem. mas isso é porque tento o equilíbrio. porque tenho a sorte de o ter conseguido.

1 comentário:

Anónimo disse...

está bem escrito isto!