estou há uns tempos para escrever sobre o dinheiro e os trabalhos
remunerados mas tem-me faltado a coragem. coragem é a palavra certa. mas
já que entrei numa sequência de batalhas perdidas entro
nesta também que não sendo bem uma batalha é polémico qb para dar más
respostas ou, pelo menos, silêncios sepulcrais que é o que tenho
recebido quando a polémica ultrapassa o risco. tentarei não o fazer.
avante.
primeiro vamos ao mote disto. ontem, numa entrevista,
perguntavam se o meu objectivo com o LEVA era fazer dinheiro com ele
numa fase posterior. gaguejei um bocado e respondi que não, porque se o fizesse, não era o LEVA, era outra coisa. de todos os aspectos do LEVA o que
tem sido mais difícil de explicar e até de aceitar (houve quem achasse
um verdadeiro disparate, que "assim não pode ser") é o facto de o
trabalho não ser remunerado, ser tudo feito com voluntariado. na verdade
esta questão tem dois lados, uma que me faz sentido a mim enquanto
pessoa que trabalha e não recebe e outra para o cliente, que não paga.
não se trata aqui de grandes altruísmos ou sentimentalismos. eu diria
que é uma questão de equilíbrio. o facto de termos uma incapacidade
qualquer que não resulta de uma opção nossa não deveria limitar-nos mais
do que aquilo que seria absolutamente indispensável. era incapaz de
dizer que fazia audio-livros por encomenda e cobrar por eles, sabendo
que o preço seria um disparate porque, e como exemplo, este livro que
vou gravar agora tem 400 páginas e possivelmente umas 30 horas de
gravações e sei lá quantas mais de estúdio. seria um produto de luxo e
eu não creio que um livro deva ser um produto de luxo para quem não o
pode ler em papel uma vez que não o é para quem pode. não posso
alimentar esse mercado nem cometer esse género de exploração financeira
de um tipo de clientes que não escolheu a razão pela qual necessita
desse tipo de luxos.
por outro lado eu não quero receber dinheiro
por este trabalho. uma das grandes razões de frustração em relação ao
que sou e à vida que tenho hoje é sentir que o dinheiro se tornou em
muitos casos um veículo de decisão para aquilo que é a minha vida, uma
vez que preciso da independência, autonomia e liberdade que o facto de
ter o trabalho que tenho me dá. na verdade faço muitos trabalhos e
sempre fiz que não são remunerados, talvez quase a totalidade dos
eventos que organizei e projectos em que me envolvi não eram
remunerados. e na verdade é interessante ver como o máquina se
transforma e aquilo que fazemos passa a ter o único propósito da
finalidade do projecto. e isso, posso-vos garantir, é único. o amor que
ganhamos ao que fazemos, a dedicação, a alegria de ver os resultados é
incomparável.
no entanto não sou fundamentalista nem
anti-remuneração. os cursos que dou são sempre pagos e isso tem a ver
com uma razão muito simples. quando prestamos um serviço profissional a
alguém ele é validado pela remuneração (e nem imaginam o que me choca
dizer isto mas tive provas disto muitas vezes). ninguém se choca que uma
conferência seja gratuita, ou um concerto, ou algo que entre na
categoria dos tempos livres (daí alguns concertos serem obviamente pagos
e outros não, mas isso era outra conversa). no entanto quando vamos
para aprender alguma coisa, como é o meu caso, o pagamento valida a
minha actividade. quem confiaria num dentista gratuito? ou num
explicador de matemática? e depois há o outro lado dos pagamentos que
nos casos dos meus cursos também se aplica - a sustentabilidade de
alguns negócios que por mais válidos que sejam longe da máquina
financeira têm de sobreviver - e neste caso faz sentido que um curso
feito numa livraria seja pago.
com isto tudo o que quero dizer é
que é importante aprendermos a viver à margem da remuneração. sei que
para muita gente não é possível, mas não é por isso que não é uma
experiência fundamental. o dinheiro é tóxico. aqui não cedo. e se calhar
tudo isto que faço é para me esquecer que é o dinheiro quem me prende
há muito tempo a uma vida que não gosto e que durante muito tempo me
impediu de ter a vida que eu quis o que me marcou de uma forma muito
mais violenta do que imaginam. e sabem que não me fico. e fui criando
uma forma de estar em que, invariavelmente, não penso que um pedido de
ajuda ou uma hipótese de uma organização de evento, ou uma perninha num
sítio qualquer seja remunerado. e não digo que não quando o é, claro. e
sei que não abdico da minha viagem anual a países cada vez mais
estranhos ou dos meus três ou quatro livros por mês e dos infindáveis
jantares em minha casa com as oito pessoas que lá cabem. mas isso é
porque tento o equilíbrio. porque tenho a sorte de o ter conseguido.
1 comentário:
está bem escrito isto!
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