terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

José Tolentino Mendonça

há qualquer coisa de inacreditável neste meu poeta. sempre admirei pessoas que se posicionam em sítios diferentes dos meus e que me encantam exactamente por esses posicionamentos. nunca é demais ouvir o Tolentino a falar da relação dele com a religião. a sua convicção e entrega fazem com que não nos seja possível não nos envolvermos no que ele diz. e depois gosto daquelas pessoas que fazem poesia até em listas de supermercado. deixo aqui três partes imperdíveis de uma entrevista que o Tolentino deu ao Sol. não é o melhor contexto mas enfim, fechemos os olhos.

1ª parte da entrevista

"Disse que tal como precisamos de pão precisamos do belo. Continua a dizê-lo?
Absolutamente. Há um slogan de um sindicato americano: ‘Precisamos de pão mas também de rosas’. No actual contexto de crise, de redução, de austeridade, de restrição, temos de dizer: precisamos de pão mas também de rosas. Falar da arte não é falar de bens supérfluos de que possamos abdicar. Tem a ver com o nosso projecto de pessoas, com o que queremos ser, o que nos faz felizes. Os bens não valem apenas pelo seu valor comercial. Se assim for o ser humano vale de facto 30 dinheiros. O que torna a nossa vida incalculável é sermos guardadores de coisas sem preço. Como dizia Keats, uma coisa bela é uma alegria para sempre.

É primeiro padre e depois poeta, é primeiro poeta e depois padre, ou a poesia e o sacerdócio são indissociáveis?
Perante uma folha em branco nós não somos nada. A folha em branco exige-nos esse exercício de ignorância. Estamos sempre a começar. O que somos não interessa, o que escrevemos não interessa. Interessa escrever a primeira palavra como se fosse a primeira palavra do mundo. Essa é a experiência da poesia."

2ª parte da entrevista

"O seu primeiro poema junta a Bíblia e Helberto Helder. É uma relação improvável?
As melhores relações são as improváveis, que existem sempre dentro de mim. A Bíblia é uma espécie de pátria. Mas a ela junto aquilo a que Borges chamava os novos textos sagrados, que são escritos hoje e transportam a ressonância mais íntima e transparente, a onda mais alta. São o ressoar dos nossos passos.

Quais são para si esses textos?
Gosto de Tertuliano a Blanchot, de Santo Agostinho a Michel Foucault ou a Michel de Certeau, da Bíblia a Herberto Helder, a Simone Weil, a Ruy Belo. De Gonçalo M. Tavares e Ana Teresa Pereira a Pavese, Natalia Ginzburg. A literatura e a escrita do mundo são uma espécie de alforges, andam sempre comigo.

Nas ditas relações improváveis.
Acredito que o que é pedido a cada um de nós é que sejamos originais. Acho que Deus nos vai perdoar tudo, as asneiras que fizemos, as incertezas, uma cretinice ou outra. Acho que Deus nos vai perdoar tudo. Só não nos vai perdoar não termos sido nos próprios. É tão importante. O Cristianismo precisa de pessoas originais, que vivam a sua vida, a sua singularidade. O meu sonho é que o mundo se encha de mulheres e de homens improváveis. Essa é a minha utopia."

3ª parte da entrevista

"Diz que é à noite que o bosque deixa de ser cegueira. Precisa do escuro?
A noite é um lugar muito importante na minha reflexão e na minha poesia. Não é por acaso que o título da minha obra reunida é A Noite Abre Meus Olhos. A noite torna-se a representação melhor daquilo que é a procura, o questionamento, a nossa condição. Não apenas a noite física mas aquilo que a noite pode significar, como contraposição, ou ligação, ao que é o dia, à nossa vida sistematizada ou organizada de um determinado modo. A noite é um campo aberto, fundamental para que a vida respire."






1 comentário:

C. disse...

esteve uma peça em cena no T. Cornucópia. confesso que ler Tolentino Mendonça me fez desconstruir determinados (pre)conceitos,senti mundo nas páginas que li- a poesia sobrepõe-se.

para não bombardear todos os posts :P- fico a aguardar informações sobre o espectáculo do Vian :D