domingo, 29 de dezembro de 2013

"O êxtase e a estase coabitam no mecanismo que crepita da própria devastação, ferrugem. Paragem, fagulhas da imprevista fricção. País com tantos poetas e nenhuma remansosa fluência. A engrenagem involui continuamente por paragens, mises en marche abruptas. Não tenho idade para a nacionalidade que me percebo."

"E se um dia escrever vou ter que ter cuidado com as imagens baratas, com tudo o que é barato e se passa ao lado. Toda a gente quer algo que ao menos imite o,

Elisa, minha querida, que é que estás a ler?
Salgari, pai.
Que abominação minha querida, se te diverte.

custoso."


Maria Velho da Costa
Casas Pardas

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

a imaginação

o gonçalo m. tavares dizia na passada sexta feira que a imaginação é utilizada para nos criar uma outra vida onde possamos defender-nos do quotidiano, daí conseguirmos estar felizes nas situações mais trágicas assim como o oposto. tenho pensado muito nisso estes três dias. há muitas coisas que nos têm distinguido de tudo o resto que existe no mundo. a imaginação é talvez um resumo de tudo isso que não é alma, ou comoção, ou pensamento.
a própria obra literária ou a própria criação vive da imaginação. não enquanto esse terrível conceito que é a inspiração, não me interpretem mal. mas enquanto a criação de um universo que não nos é intrínseco nem despegado. que está nesse sítio transitório, na mediação de nós com esse que é o único sagrado possível. um sagrado que é já despegado de nós mas não nos é exterior não sendo o limbo que pertence à obra e à criação. é esse sítio transitório e a forma de o alcançar que desenha a obra literária. daí que a escrita ocasional, quotidiana, com objectivos que não se prendam unicamente com esse universo só possam estar aquém. aquém da beleza. e aqui não há crítica que adivinhe, nem fórmulas. não é legível ou palpável, nem sequer fácil de intuir. daí acreditar mesmo que essa beleza está dentro da própria obra e não fora dela. feliz o que conseguir lê-la sem nevoeiro.  

posto isto só nos resta concluir que assim é fácil perceber o fascínio disto tudo. é do caraças. 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

a fé e o amor na forma improvável

não gosto do ritual de me sentar a escrever sobre os livros do afonso. já tanto se disse, já tanta gente escreveu sobre este livro que não me apetece acrescentar mais um ponto a um longo texto já escrito por tantos outros.

o afonso foge a muitas das categorias óbvias em que poderia já ter caído. um jovem escritor, talentoso, com boa figura e boa presença poderia, facilmente, cair nas teias da crítica fácil ávida de uma palavra errada, um pé colocado ao lado por estes novos escritores, para criarem um monstro.

não conseguem porque o afonso não põe o pé ao lado e nem faz esforço por não o fazer. é autêntico, no que a palavra tem de melhor. está ali, escreve, vive, marca presença e fala. e fala bem, e tem as palavras não ensaiadas nas alturas mais improváveis e funcionam sempre.
digo estas coisas do afonso porque acho que isto que digo tem ligação com o novo romance dele, para onde vão os guarda-chuvas.

o que quero falar hoje aqui é a forma como o afonso viaja. o livro é uma viagem plena. uma viagem inteira. uma viagem ao paquistão sem nunca se referir o país. uma viagem à intolerância que se deixa esmagar  pelo amor sem que isso nunca se veja em lado nenhum. é um livro sobre o amor. sem cliché nenhum. sem cliché nenhum, repito, antes que desistam já aqui deste texto.
é um livro sobre o amor.

sobre o amor. e é difícil falar do amor num planeta onde os livros falam todos sobre o amor mesmo quando o amor não interessa nada. mas aqui interessa. fala do amor absolutamente improvável. em todo o lado. fala do que se parte e do que parte com a morte, em primeiro plano. e fala do amor que se conquista que nem sempre é o que se precisa. e do amor que é criminoso porque não entende as barreiras do que deve ser aceite e indestrutível.

e é uma viagem pela religião. quem me conhece sabe que tenho um grande fascínio pelo estudo das religiões, com uma considerável distância. aqui tenho de parar num episódio que li muitas vezes, que repeti incansavelmente até entender o peso que teve no que estava a ler e no que seria aquela história a partir dali. a certa altura conta-se a história de alguém a quem o pai obriga a ler a Bíblia e que, não querendo lê-la, lê e decora passagens de outros livros. Elahi apanha uma parte da Alice no País das Maravilhas pensando que é da Bíblia e interpreta-o à luz da fé católica com algum encanto e com o encontro de Deus. daquele Deus. o livro é isto. é sempre isto. uma interpretação de uma religião que é uma forma de agir que é uma forma de não sofrer que é uma forma de amar.

o afonso atingiu aqui um ponto profundo da escrita dele. como se descansasse de desenhar a escrita e a tornasse visceral. descreve personagens banais transformando-as nas pessoas da porta ao lado, mas da nossa porta ao lado, indispensáveis e parte da nossa pele.

e chegou a altura de falar de Isa. o expoente de uma liberdade que não se deseja. o retrato de uma tempestade que é ainda uma criança. um miúdo, americano, adoptado para permitir o perdão e a paz. o Isa substitui a religião tornando-se para esta família o verdadeiro acto de fé. e que como todas as fés não pode existir em paz, nem em consenso, nem em harmonia. e ao ser a fé de uns é a heresia de outros. é uma guerra que traz Isa, sobretudo dentro do espaço que ele terá de ocupar, vivendo no seu corpo as incoerências, desesperos e paixões de uma religião.

escarlatina escarlatina escarlatina
é a oração de Isa. capaz de muito mais do que eu alguma vez consegui com os meus tipos de fé.

no dia do lançamento o afonso disse uma coisa que tenho andado por aí a repetir e a pensar e a escrever. que no universo há muitos sítios para algo estar desarrumado e apenas um para se estar arrumado o que complica o encontrar onde estar no sítio certo.

e aqui entre nós afonso, eu tu e aqueles que já leram o livro, a forma como descreves o sítio onde o Isa encontrou o seu lugar para estar arrumado é dos momentos mais perfeitos que eu já vi em tantos livros que já li. no precipitar de uma tragédia há finalmente a paz. não a paz que podíamos esperar, de todo. a paz da escarlatina. e é de uma beleza absolutamente estonteante. e o livro parou no sítio certo. ali, no sítio certo de Isa, à beira de um abismo que impossibilitaste de existir. ficou o Isa encaixado e nós na pele com a sensação da quase queda quando tudo o que ainda se vê é só o céu. mesmo antes da queda, a que nunca existe, porque o livro chegou ao fim.





quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

palavra do dia

desarmado
desprotegido do que não protege, só limita
destruir palavras acessórias e tóxicas
melhor que armado


Significado de Desarmado

adj. Desprovido de armas: um militar desarmado.
Militar. Que não possui armamento: uma nação desarmada.
Marinha. Desprovido de munição etc; que não está apto para navegar: embarcação desarmada.
Figurado. Sem defesa, desprevenido: ele apanhou muito porque estava desarmado.
Figurado. Sujeito necessitado ou desprovido de algo: sujeito desarmado de determinação.
Sem adornos ou enfeites.
Zoologia. Que não possui maneira para se defender ou que não possui chifres, garras etc.
(Etm. Part. de desarmar)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

a palavra do dia é

uma grande tristeza. uma palavra absurdamente preconceituosa no priberam. a nossa cultura ocidental desenhou alguns conceitos que nos reprimem e nos tornam vítimas de uma necessária subserviência ao outro, sempre em linhas descendentes.
pois que não gosto nada disso. o respeito deveria ser horizontal. deveria ser a procura do outro no que o outro tem de pleno e real - dentro da acepção que o próprio pretende espelhar. o respeito enquanto entendimento pleno do outro agrada-me mais.
portanto meus caros eu reinvento o dicionário se tiver de ser mas respeitar é dizer e fazer coisas desagradáveis, não aceitar a deferência perante os outros pois isso diminui sempre os dois lados, defendo que só se respeita o outro se não nos submetermos, nem contentarmos, nem obedecermos, nem acatarmos mas antes entendermos o outro em pleno. respeitar é não ter medo, é saber que se é, em absoluto, e que é isso que passamos ao outro e que queremos que o outro nos passe a nós.


damn you priberam. 


res·pei·to
(latim respectus, -us, acção de olhar para trás, espectáculo, atenção)
substantivo masculino

1. Sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém.

2. Apreço, consideração, deferência.

3. Acatamento, obediência, submissão.

4. Medo do que os outros podem pensar de nós. = RECEIO, TEMOR

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

home



L'exigence d'une lumière plus vive emane toujours de la vie quotidienne, de la necessité, ressentie par chacun, d'harmoniser son rythme de promeneur et la marche du monde.
 

Raoul Vaneigem
Traité de savoir-viver à l'usage des jeunes générations


 
[homehomehomehomehomehomehomehomehomehomehomehome]

a palavra do dia é

não leiam este post de cabeça solta. concentrem-se na pluralidade fascinante que uma só palavra pode conter. a vossa vida, meus caros, nunca mais será igual. alarguem os horizontes. utilizem a língua sem juízo.
(afirmações peremptórias tenho eu aos montes para vos oferecer. sabem que sim)

cur·tir
(origem controversa)
verbo transitivo

1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.

2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.

3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR

4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.

5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER

6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER

7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo

8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR

9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.



via Priberam
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].
cur·tir - Conjugar
(origem controversa)
verbo transitivo
1. Preparar (peles, couros) para os tornar imputrescíveis.
2. Remolhar (matérias têxteis) para as abrandar e lhes poder separar as fibras.
3. Conservar (alimentos) em líquido adequado. = CURAR
4. Queimar a pele por exposição ao sol ou ao vento.
5. [Figurado]  Suportar sofrimento ou situação penosa. = AGUENTAR, PADECER, SOFRER
6. [Figurado]  Tornar mais forte, mais resistente. = CALEJAR, ENDURECER
7. [Informal]  Ressacar.
verbo transitivo e intransitivo
8. [Informal]  Sentir prazer ou satisfação; gostar muito de. = APRECIAR, DELEITAR-SE, DESFRUTAR
9. [Informal]  Trocar carícias sexuais.

"curtir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/curtir [consultado em 10-12-2013].

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(creio que terei umas próximas noites do caraças)

"Este termo, hesitante, parece-nos fundamental. Um avanço hesitante: eis um método; avançar, não em linha recta mas numa espécie de linha exaltada, que se entusiasma, que vai atrás de uma certa intensidade sentida; avanço que não tem já um trajecto definido, mas sim um trajecto pressentido, trajecto que constantemente é posto em causa; quem avança hesita porque não quer saber o sítio para onde vai - se o soubesse já, para que caminharia ele? Que pode ainda descobrir quem conhece já o destino?"

(é que vou já escrever sobre isto)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

um poema da margarida

Escadas de incêndio

Desci a correr pelas escadas de incêndio
de betão, expostas ao vento mais do que ao sol.
Suportei a velocidade áspera na mão esquerda
dei a um filho o flanco,
outra criança por um braço,
e provavelmente um par de asas seguiu-nos
mas não ousei virar-me porque diante de mim uma
outra perspectiva da cidade.

Caminho agora de igual modo todas as horas,
repito os gestos essenciais
com esmero, a melhor memória, desvelo.
Sei-os de cor e desenho-os
com os meus dedos, como novos.
Confirmo: sou a mesma que cozinha no mesmo fogão
a gás, outra água, outro combustível,
tomilho, a pedra mármore intemporal.
Mais eficaz do que essa escada secreta e tosca,
a repetição salva-nos. Um erro
nunca pode ser emendado, nem quase isso.
Não há lugar mais firme senão escondida
a falha
debaixo da acumulação das tarefas
normais
repetidas com esforço, zelo, sem excessos:
E sobre o tapete uma coreografia monocórdica,
segura, faz dos dias
dias em que não se usa a escada de incêndio.


Margarida Ferra

O Grupo Surrealista de Lisboa: da formação às dissidências

resumo da comunicação proferida no Congresso Surrealismo(s) em Portugal, Nov 2013
  
Começo por avisar que a minha comunicação pretende desmistificar ou mesmo desvalorizar o seu próprio conteúdo. A existência de um grupo Surrealista é sobrevalorizada face ao cenário surrealista português muito maior e mais abrangente. 

O Grupo Surrealista Português existe apenas porque surgiu a determinada altura a necessidade de trazer para Portugal o termo surrealismo, passando o surrealismo a existir quase por decreto. António Pedro já se tinha envolvido com o movimento surrealista inglês (1936) e começa a referir o movimento em Portugal. Publica em 1941 Apenas uma narrativa uma antologia de textos automáticos, algo absolutamente inédito no país. Para além disso alguns dos futuros membros do movimento surrealista português conhecem Breton e trazem as ideias do surrealismo francês para cá.

O grupo de alunos da escola António Arroio que por volta de 1942 se começa a juntar no café Hermínius tinha já em comum uma série de ideias que se aproximavam das ideias dos surrealistas franceses, sobretudo. Acreditavam na necessidade da criação de uma supra-realidade porque a realidade existente não era material artístico satisfatório. Para aí chegar teriam de afastar a razão para chegar a uma arte pura, longe de estereótipos e preconceitos. Preconizavam o fim da ditadura da razão. Ramos Rosa definia esta poesia como “ilegível mas não inaudível”, ou seja, imagens que não fazendo um sentido real e palpável criassem através do acaso ou da sensação um poema significante no leitor transformando-o numa parte fundamental e imprescindível da escrita.

Estes artistas não acreditavam que a arte fosse de elites, estaria por isso ao alcance de todos. Não queriam uma elite, não acreditam na separação entre arte e pessoas, não se queriam fechar em regras de arte ou dogmas relacionados com a história da literatura – ser surrealista era uma forma de ser e de estar na arte, não algo que se decida ser. Cesariny: "Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!"
Em 1942 já se reuniam algumas pessoas no café Herminius, alunos da António Arroio e em 1947 forma-se o primeiro grupo surrealista, o Grupo Surrealista de Lisboa. Em 1948 deram-se as primeiras discussões dissidentes. Havia vários surrealismos, mas Cesariny defendia nesta altura que o Grupo não parecia defender o que ele denominava surrealismo literário que defendia a absoluta liberdade de criação, a autonomia de cada um face à supra-realidade que procurava e o não prender-se a qualquer convenção. Este surrealismo torna-se então incompatível com a ideia da existência de um grupo, ou seja, a existência de um grupo não trazia nada de novo, apenas impedia a livre criação, sem preconceitos, onde cada artista deveria ser absolutamente diferente do outro. A revolução possível seria sempre uma revolução interior e pessoal e não uma revolução exterior, só assim seria possível chegar à revolução exterior que almejavam.

Em 1949 dá-se a separação e criam-se dois grupos. Por um lado o já existente, Grupo Surrelista de Lisboa de onde faziam parte O'Neill, Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José Augusto-França e Vespeira. Destes afastaram-se os Dissidentes ou os Surrealistas (uma melhor definição para que não se identifiquem por oposição) com Cesariny, Pedro Oom, António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira.

O surrealismo não pode ser datado, nem podemos falar de percursores e herdeiros. Apenas o conceito e o seu entendimento fez com que se criassem estes grupos que aparentemente queriam o mesmo. No entanto ser-se surrealista era uma forma de estar na arte por isso teriam existido antes e depois e sempre.

Os grupos tiveram sobretudo a função de os pôr a pensar, reflectir, ainda que muitas vezes fosse pela negativa, daí o tão grande número de discussões, problemas e querelas. Os Surrealistas formaram-se pela negação de uma postura artística com a qual não se identificavam, nem eles nem o surrealismo bretoniano. Durante as dissidências os surrealistas puderam perceber que liberdade era esta. Não “inventaram” o surrealismo, pensaram-no e reflectiram-no.

É preciso perceber o que é ser surrealista, em que é que isso acrescenta o autor, o transforma, o melhora, o torna consistente. É isso que importa discutir e entender e espero que este congresso esta semana sirva para nos aproximarmos mais desse entendimento do que é o surrealismo, nos termos em que os próprios tentaram entender, e menos fecharmo-nos em discussões históricas e factuais.

Que sirva também este congresso para reflectir no que os surrealistas ainda podem significar e que sentido nos fazem (que é tanto) na nossa contemporaneidade. Que o congresso não nos feche em academismos e sirva para nos tornar o pensamento mais livre como os surrealistas quereriam, que nos tire do nosso espaço de conforto e nos liberte. De outra forma estaríamos a ser os nossos próprios inimigos.

Para tudo isto o importante é ler os surrealistas, para compreender esta revolução interior, não podemos entender o surrealismo em textos e comunicações.  Só nos livros e nos poemas e nos quadros essa revolução poderá ser não só entendida como atingida em absoluto. Não há outra forma.

domingo, 1 de dezembro de 2013

de volta à maratona


inscrever e divulgar como se não houvesse amanhã!




"A actividade surrealista não é uma simples purga seguida de um dia de descanso a caldos de galinha, mas revolta permanente contra a estabilidade e cristalização das coisas" (António Maria Lisboa)

Vamos ter Cesariny, Pacheco, O'Neill, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa e outros. Vamos ter surrealismos e dadaísmos e outros ismos inventados por nós. Vamos conviver surrealisticamente. Vamos pensar surrealisticamente. Vamos surrealisticar. Podem vir a horas ou chegar atrasados. Podem vir ao contrário. Podem não vir.


Pó dos Livros
inscrições: podoslivros@gmail.com // 21 795 93 39
Av. Marquês de Tomar, Lisboa

4as feiras de janeiro' 14
21h
35€ (descontos para desempregados e estudantes)
(o pagamento pode ser feito no primeiro dia do curso ou antes) 


evento facebook para aderir e divulgar. obrigada!

a propósito do dia dos livreiros e das livrarias

"O Encontro Livreiro pediu-me que escrevesse este texto neste dia e eu não sou livreira. Aceitei sem hesitar, como sempre, sobretudo porque acredito que este dia não deverá ser, no limite, sobre os livreiros e sim sobre os leitores. É essa a minha condição aqui, de leitora. No entanto há uma definição que o Manel Medeiros dava dos livreiros onde dizia que estes publicam a leitura. Nesse sentido considero-me livreira sim, porque quando me é impossível definir o meu projecto com os livros a única definição possível é que tento criar leitores. Vários tipos de leitores, diferentes tipos de leitores. Mas nunca maus leitores. E não me venham dizer que não há isso de maus leitores, há, claro que sim. Os livros têm connosco um papel fundamental na nossa formação, no nosso pensamento, na nossa forma de agir. Essa responsabilidade é de tal forma gigante e sagrada que seria, no mínimo, um desrespeito dizermos que se pode ler seja o que for que é igualmente bom.

Começa a ser raro vermos quem sinta a verdadeira importância do livreiro nos seus quotidianos. A própria profissão é desconhecida, ainda, para muitos. Na verdade é também difícil de definir, há livreiros que não trabalham em livrarias e há vendedores de livros que não são livreiros. Na verdade os leitores começam a deixar de acreditar que precisam de intermediários para a leitura. Num mundo tão cheio de estímulos, com a internet inundada de opiniões que se dão com a facilidade de um clique, nem sempre os livreiros são vistos como mediadores da leitura. Não podemos esquecer que há mais leitores e mais diversificados. Esse facto também leva a que muitos destes se tenham formado longe da figura do livreiro. Noutros sítios.

Vender livros não é igual a vender outro produto qualquer. Não o é em nenhum dos sentidos. Um livreiro não vende um produto apenas. Vende ligações a esse produto, vende outros livros. Vende um livro que corresponde a uma ideia, um anseio, uma vontade de conhecimento, uma dúvida pequena. Um livreiro fará um bom negócio (e não podemos esquecer que uma livraria é um negócio) se conseguir que um cliente passe a leitor. Para isso é preciso ensinar a um cliente que nada se lê isoladamente, os livros não existem entre a capa e a contra-capa. Um livreiro torna-se um bom livreiro se for um agente de ligações, se funcionar como o motor que instala no leitor esse vírus das ligações. Quem o consegue são por vezes pessoas improváveis, em livrarias improváveis, noutros sítios que não são livrarias, por pessoas que não vendem livros. Nas estantes dos desconhecidos, nas estantes dos amigos. Em blogs, nas redes sociais ou nas conversas de cafés.

Ser livreiro é criar leitores. Só assim as livrarias podem sobreviver enquanto negócio. Posto isto é fácil afirmar que as livrarias são sítios de crescimento, de criação e aprendizagem. Daí a nossa responsabilidade em mantê-las vivas e a funcionar, quando pensamos onde vamos comprar um livro. São os leitores que as fazem existir mas por trás de cada uma há livreiros que são a porta da livraria. Os nossos agentes de ligações. Aqui na Culsete há dois, a Fátima e o Manel. Hoje esta mais que merecida homenagem é a eles e aos leitores que eles criaram. Não temos de ter muitas palavras porque são 40 anos a mostrar, com esta porta aberta, com o reconhecimento dos subscritores do diploma Livreiro da Esperança Especial, com o nome que tão facilmente é reconhecido em qualquer lado, com o Encontro Livreiro que nasceu aqui, que são livreiros à séria, que deixam e continuam a deixar o melhor de todos os legados, uma fila interminável de leitores."

texto lido na Culsete, a 30 de Novembro de 2013



terça-feira, 26 de novembro de 2013

poetolatry, n.


[‘ The worship or immoderate veneration of poets.’]
Pronunciation: Brit. /ˌpəʊᵻˈtɒlətri/,  U.S. /ˌpoʊəˈtɑlətri/
Etymology: <  poet n. + -olatry comb. form. Compare earlier bardolatry n.
Apparently coined by C. S. Lewis (see quot 1936 at main sense).
 rare.
The worship or immoderate veneration of poets.
1936  C. S. Lewis in Ess. & Stud. 21 165 There is yet another way in which Personal Heresy offends against personality;..I am referring to the growth of what may be called Poetolatry.
1939  E. M. W. Tillyard  & C. S. Lewis Personal Heresy v. 104 Naturalism..wants poets to be a separate race of great souls or mahatmas. Poetolatry is the natural result, for if there were such a race..those who know no higher deity would do well to worship them.
2000  E. Alsen New Romanticism iii. 241 Romantic ‘poetolatry’ has produced a tradition of phoney..individuality.
Derivatives
 
 poeˈtolater n. a person who practises poetolatry; a worshipper of poets.
1936  C. S. Lewis in Ess. & Stud. 21 167 Most poetolaters hold that a dead man has no consciousness.
 
 

OED Online Word of the Day

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

domingo, 24 de novembro de 2013

perfecto cuadrado em lisboa

por ocasião do congresso surrealismos em portugal Perfecto Cuadrado veio falar do que é isto do surrealismo. pediu como seria de esperar que parássemos um pouco na palavra "surrealismo". com o tempo a palavra banalizou-se, o sentido desviou-se. o surrealismo é, para Perfecto, uma revolução total que deverá transformar o homem. uma revolução interior que não permite a historiografia do movimento. como dizia Cesariny "entre nós e as palavras o nosso dever falar", falando dessa mesma revolução interior. Perfecto Cuadrado diz que o surrealismo quer descobrir a luz na caverna. essa aventura não se fecha em datas, é uma aventura constante e sem limite. os valores de hoje são a abjecção moral, as trevas são negras. por isso sobramos nós, as pessoas, à procura da luz. apenas nessa procura podemos encontrar um acordar. Perfecto Cuadrado apela a que este congresso e o falar-se e pensar-se o surrealismo mostre a necessária resistência contra o real quotidiano que resiste a ser reabilitado.

é imperativa a revolução interior surrealista

0 MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.

Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o seu reino não fosse pertença delas, invenção delas. Só a custo, perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham a ira, os que perdem o amor.

Já não há tempo para confusões - a Revolução é um momento, o revolucionário todos os momentos. Não se pode confundir o amor a uma causa, a uma pátria, com o Amor. Não se pode confundir a adesão a tipos étnicos com o amor ao homem e à liberdade. NÃO SE PODE CONFUNDIR! Quem ama a terra natal fica na terra natal; quem gosta do folclore não vem para a cidade. Ser pobre não é condição para se ganhar o céu ou o inferno. Não estar morto não quer forçosamente dizer que se esteja vivo, como não escrever não equivale sempre a ser analfabeto. Há mortos nas sepulturas muito mais presentes na vida do que se julga e gente que nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra que toda uma geração de escritores.

A acção poética implica: para com o amor uma atitude apaixonada, para com a amizade uma atitude intransigente, para com a Revolução uma atitude pessimista, para com a sociedade uma atitude ameaçadora. As visões poéticas são autónomas, a sua comunicação esotérica.

Os profetas, os reformistas, os reaccionários, os progressistas arregalarão os olhos e em seguida hão-de fechá-los de vergonha. Fechá-los como têm feito sempre, afinal, e em seguida mergulharem nas suas profecias. Olharem para a parte inferior da própria cintura e em seguida fecharem os olhos de vergonha. Abandonarem-se desenfreadamente à carpintaria das suas tábuas de valores, brandirem-nas por cima das nossas cabeças como padrões para a vida, para a arte, para o amor e em seguida fecharem os olhos de vergonha às manifestações mais cruéis da vida, da arte e do amor.

MAS NÃO IMPORTA, PORQUE EU SEI QUE NÃO ESTOU SOZINHO no meu desespero e na minha revolta. Sei pela luz que passa de homem para homem quando alguém faz o gesto de matar, pela que se extingue em cada homem à vista dos massacres, sei pelas palavras que uivam, pelas que sangram, pelas que arrancam os lábios, sei pelos jogos selvagens da infância, por um estandarte negro sobre o coração, pela luz crepuscular como uma navalha nos olhos, pelas cidades que chegam durante as tempestades, pelos que se aproximam de peito descoberto ao cair da noite - um a um mordem os pulsos e cantam - sei pelos animais feridos, pelos que cantam nas torturas.

Por isso, para que não me confundam nem agora nem nunca, declaro a minha revolta, o meu desespero, a minha liberdade, declaro tudo isto de faca nos dentes e de chicote em punho e que ninguém se aproxime para aquém dos mil passos

EXCEPTO TU MEU AMOR EXCEPTO TU
MEU AMOR

minha aranha mágica agarrada ao meu peito
cravando as patas aceradas no meu sexo
e a boca na minha boca

conto pelos teus cabelos os anos em que fui criança
marco-os com alfinetes de ouro numa almofada branca
um ano dois anos um século

agora um alfinete na garganta deste pássaro
tão próximo e tão vivo
outro alfinete o último o maior
no meu próprio plexo

MEU AMOR
conto pelos teus cabelos os dias e as noites....
e a distância que vai da terra à minha infância
e nenhum avião ainda percorreu
conto as cidades e os povos os vivos e os mortos
e ainda ficam cabelos por contar
anos e anos ficarão por contar

DEFENDE-ME ATÉ QUE EU CONTE
O TEU ÚLTIMO CABELO

António José Forte

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

novidades do LEVA

hoje é um dia importante para o LEVA, foram distribuídos quatro livros pelos voluntários. o primeiro foi gravado "em casa" por isso agora foi assim como que a "maioridade" do projecto o que dá algumas borboletas no estômago.
não dá para explicar o entusiasmo e emoção dos voluntários que se ofereceram para gravar. custa não poder dar livros a todos mas havemos de o fazer. 
estamos ainda a precisar de técnicos, sobretudo, por isso gente, aceitamos sempre voluntários (leitores também). é só enviar e-mail para leremvozalta@gmail.com

site 
e facebook (divulgar! divulgar!)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Dia da Livraria e do Livreiro | 2013


já temos blog!

 

 


das ligações

"As ligações evitam que uma pessoa chegue ao isolamento final da cidade e que de certa maneira não se atire do 8º andar. Há uma frase do Novalis de que gosto: "estamos sós com tudo aquilo que amamos". A nossa solidão tem o tamanho das nossas ligações. Um casal de namorados que está apaixonado cria uma solidão, despovoa tudo à volta, desliga-se de tudo o resto. Isso também é para mim muito forte e está neste livro como em muitos outros. A questão de haver um vínculo muito grande entre as ligações e as desligações. O interessante é que a escolha amorosa é uma escolha antecedida de uma grande violência, é não escolher os outros, quase ignorá-los. O elogio de duas pessoas que se enamoram, que se esquecem de tudo, não precisam de mais nada, pode ser visto como algo absolutamente insultuoso em relação a toda a cidade. O que um poeta romântico colocaria em versos muito bonitos, do ponto de vista da cidade, é qualquer coisa muito perigosa, uma afronta. Se todas as pessoas estivessem totalmente enamoradas e lhes fosse totalmente indiferente se a principal torre da cidade caísse ou não, não ficaria ninguém para a proteger. Todas as cidades já teriam sucumbido."

Gonçalo M. Tavares
JL
13 a 26 de Novembro 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

mal comportados

para quem ande distraído ou para quem não saiba os mal comportados estão por aí a espalhar charme e mau comportamento.

num blog.

e no facebook.

agradeço aos queridos leitores a divulgação e partilha porque chega de sermos tão doces.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

DIA DA LIVRARIA E DO LIVREIRO



30 de Novembro
DIA DA LIVRARIA E DO LIVREIRO
uma parceria 
Fundação José Saramago | Encontro-Livreiro


ENCONTRO LIVREIRO ESPECIAL
na livraria Culsete |  Av. 22 de Dezembro, 23 A-B | Setúbal | 16h


Este Encontro Livreiro Especial, que começa pelas 16 horas,
servirá para assinalar este dia tão especial para as livrarias e os livreiros, para conversarmos sobre 


A LIVRARIA, O LIVREIRO, A LEITURA

e para se proceder à entrega do diploma
LIVREIRO DA ESPERANÇA ESPECIAL CULSETE - 40 ANOS,
que continua em subscrição pública precisamente até ao dia 30 de Novembro, aqui.


domingo, 10 de novembro de 2013

Congresso Surrealismos em Portugal

uma malta gira e totalmente crente convidou-me para botar palavra neste congresso. lá estarei dia 18 ao pé de estrelas que me fazem inchar. espreitem o programa todo. clicar para aumentar.











quinta-feira, 7 de novembro de 2013

surrealistas a rockar há 60 anos e hoje ainda (pensamento fresco como uma alface)



"notamos a necessidade dum maior desenvolvimento da 'consciência individual' como forma de evolução duma 'consciência colectiva' que, por si mesma, mantenha a liberdade de acção-movimento a cada um dos seus componentes. A transformação social (meio em que o homem vive) depende fundamentalmente da transformação do homem." 

Mário Henrique Leiria, 1952

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

oh Bandini, Bandini...

em Estrada para Los Angeles (edição Alfaguara 2013, primeira em Portugal) Arturo Bandini é um adolescente. pareceu-me durante toda a leitura que era neste livro que Fante o apresentava como figura tão indescritível como incómoda. não há nada de doce em Bandini. não há amabilidade ou cortesia ou sociabilidade. Bandini é o escritor por conceito sem ser de todo conceptualizado ou encaixado em categorias.
este livro poderia ser (e será) como um prólogo dos outros. o livro posiciona-se no olhar do jovem escritor que deverá sustentar a mãe e a irmã e deixa-nos perceber sem qualquer momento obscuro ou misterioso o caminho absolutamente quotidiano de Bandini. e esse absolutamente quotidiano é sempre extraordinário. com absoluto desprezo pelo maquinal e pelo funcional Bandini é um escritor violento, opressivo, contra a igreja e acérrimo defensor do seu génio. a mãe e a irmã são personagens de grande importância ainda que inicialmente pareçam estar caricaturadas. por um lado Mona, a irmã, católica fervorosa (e será assim tanto ou é o que o irmão nos faz entender?) sempre pronta para mostrar ao irmão que a realidade não é aquela onde ele vive com a crueldade natural dos irmãos mas, claro, com o exagero certo de Fante. a mãe é a protectora, angustiada entre os dois e com a falta de dinheiro, personagem aparentemente plana que é apenas mãe mas com quem Bandini é capaz de algum carinho, muito leve, mas exemplar face à crueldade da sua convicção diária e vontade de destruição.
Bandini é incrível. Fante criou uma personagem incómoda, doente, violenta mas coerente. Este livro é o momento em que se forma assim, insuportável e surpreendente, sempre na calha de algo insuspeito e, no final, nada perigoso, ao contrário do que anuncia.
Fante é um escritor sem floreados, simples e quotidiano (no que isto pode ter de bom, note-se). parecendo (e por muitos criticado por isso) estar a escrever um romance do dia a dia está, na verdade, a criar uma personagem inesquecível cujo nome lhe sobrevive. eu tenho um fraquinho por personagens fortes, já sabem. e isto de criar uma personagem forte, insuportável, que nunca é descrita mas também não é narradora e que apenas vive (e é suficiente) de actos e diálogos, é criar uma obra de arte.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

DIA DA LIVRARIA E DO LIVREIRO | 2013

No próximo dia 30 de Novembro vamos festejar o Dia da Livraria e do Livreiro.


Depois de, no ano passado, ter sido assinalada a primeira edição do Dia das Livrarias, inspirada por ventos vindos do país vizinho e assinalando o aniversário da morte de Fernando Pessoa e de Fernando Assis Pacheco (este último, precisamente numa livraria de Lisboa), a Fundação José Saramago e o movimento Encontro-Livreiro estabeleceram uma parceria que passará a assumir a organização e a dinamização do a partir de agora designado Dia da Livraria e do Livreiro, tornando-o mais abrangente e destacando sobretudo o lugar central que o livreiro ocupa no percurso do livro e na promoção da leitura.

O Dia da Livraria e do Livreiro é um dia de Festa! Festa da livraria! Festa do livreiro! Festa do leitor!

O leitor, que para nós não é apenas um cliente, é o convidado de honra deste e de todos os dias e quem verdadeiramente justifica a livraria e o livreiro e garante, não só o futuro do livro e das gentes do livro, mas também o progresso, esclarecido e em liberdade, do(s) país(es).

Apelamos a que todas as livrarias, que queiram fazer deste dia o seu dia de festa, comecem, desde já, a preparar uma iniciativa especial para assinalar a data.

Apelamos a todos os leitores que, nas suas agendas, assinalem o dia 30 de Novembro como um dia de visita a, pelo menos, uma livraria, associando-se à festa do(s) seu(s) livreiro(s).

Vamos encontrar formas de divulgar todas as iniciativas que surjam neste âmbito e com este espírito e voltaremos com mais notícias.

Boas leituras e até breve!


Lisboa | Setúbal, 1 de Novembro de 2013

Fundação José Saramago | Encontro-Livreiro

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

a genialidade

tudo o que aqui for dito a respeito da literatura é favor adaptar para a área que vos interessar. este blog só não se chama é estórias com outra coisa qualquer.

ando há uns tempos a pensar na genialidade. tenho chegado a algumas conclusões não muito pacíficas mas tentarei, como sempre, expor isto que penso da forma mais pacífica que existe, ou seja, soando a elogio a todas as partes para depois continuarmos todos amigos. não é fácil.
passo os dias todos de cabeça enfiada nos livros. e por livros leia-se cenas com folhas e coisas escritas, poderá até ser, como ontem no barco, um folheto do LIDL com umas cenas gourmet para o natal. tenho pouco tempo para tudo o que queria ler. andamos sempre a pedir uma entorce não dolorosa que nos mande para a cama de baixa para pormos algumas leituras em dia. não resulta. lembro-me a famosa frase que é tantas vezes referida na minha família "cuidado com o que desejas que pode acontecer-te". é verdade. fui lançada para um hospital durante vinte dias sem qualquer sintoma e nem uma linha li (se bem que não ter sintomas físicos é outra história mas avante). havendo pouco tempo tento sempre ler os melhores. e tento ler os melhores em todos os momentos que posso do meu dia. mas.
tenho encontrado na vida muitas pessoas que procuram a perfeição na leitura. uma perfeição certeira e subjectiva mas uma perfeição. recusam-se na sua maioria a ler livros que considerem comerciais, artificiais, e que sirvam outro propósito que não a arte da literatura. não podia estar mais de acordo. não leio livros maus, nunca, e desisto de livros a meio, mais vezes do que gosto de admitir. procuro o meu sítio certo da leitura, e está a ser tramado de encontrar, ando às aranhas.
mas não me identifico com a procura da genialidade. com o patamar onde às vezes subimos e não conseguimos descer. não quero subir a fasquia a um sítio onde grande parte dos livros que me foram importantes não caibam. acho que a qualidade literária se mede por faixas. quando começo a ler um autor encaixo-o numa faixa. se está numa faixa que considero má não o leio. um dia em que um autor suba de faixa é um dia feliz. no dia em que desce sinto-me desiludida como uma traição pessoal. aconteceu com paul auster por exemplo, desceu umas três ou quatro faixas.
no entanto eu quero que essas pessoas existam. esses leitores que procuram a perfeição. às vezes temos de sacrificar muito conforto para atingir um nível semelhante a esse. esses leitores sacrificam. conforto e amabilidade. tornam-se irritantes, roçam o pedantismo e tornam-se insuportáveis, na maior parte do tempo. como muitas vezes nos meus cursos disse relativamente a muitos livros, é importante que estes nos causem sensações extremas, seja de amor ou ódio. a indiferença perante um livro é a pior das leituras. e eu tanto odeio estes leitores como me apaixono tolamente por eles. e o que me apaixona é que eles sacrificam a amabilidade e o conforto mas eu aprendo com eles muito mais do que com leitores como eu. por isso deixem-se estar, irritantes, pedantes e insuportáveis. porque no dia em que acertam é mesmo no sítio certo. e isso é insubstituível. 

ai pá! adquirido.

Berkeley, California, otoño de 1980. En la cima de su carrera y después de años de negativas, Julio Cortázar acepta dar un curso universitario de dos meses en los Estados Unidos. Como cabía esperar, no se tratará de conferencias magistrales sino de una serie de charlas sobre literatura, y sobre todo acerca de su experiencia de escritor y la génesis de sus obras.

Las clases tratan gran diversidad de temas: aspectos del cuento fantástico; la musicalidad, el humor, el erotismo y lo lúdico en la literatura; la imaginación y el realismo, la literatura social y las trampas del lenguaje, todos ellos encarnados en lecturas y ejemplos tomados de la cultura universal. Las clases llegan a su punto máximo de interés cuando Cortázar, ya en la edad de los balances, se refiere a su evolución de escritor y analiza su obra: cómo nacieron los cronopios y cuentos insuperables como “La noche boca arriba” o “Continuidad de los parques”; el sentido de Rayuela y su proceso de escritura; el desafío de Libro de Manuel.

Quien lea la minuciosa y fiel transcripción de trece horas de grabaciones, al cabo de este encuentro con el Cortázar oral, valorará lo mismo que en sus textos: la soltura y cercanía, la vastedad de lecturas, la honestidad intelectual, la imaginación y el rigor de tamaño profesor. El Cortázar que nos quedaba por conocer, este que ya entra en el aula y sonríe.

as palavras que levam os leitores a este blog


 
que orgulho pá!
 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

ainda sobre o ser surrealista, que não se escolhe, é-se, como dizia o outro

A actividade surrealista não é como Jorge de Sena quer (e outros também) uma simples libertação de coisas que chateiam, mas um golpe fundo, e de cada vez que é dado na realidade presente. Não é mero exercício para se dormir melhor na noite seguinte, mas esforço demoníaco para se dormir de maneira diferente.
António Maria Lisboa



Porquê a adesão ao surrealismo? Porque ao sórdido amor mesa-de-família-cama-de-casal e às convenientes - e, muitas vezes, adversárias - instituições que o servem e que serve, oponho, tanto em mim como nos outros, a feroz realidade do DESEJO.
Alexandre O'Neill

em centrifugação literária

cen·tri·fu·ga·ção
(centrifugar + -ção)
substantivo feminino
Separação dos elementos de uma mistura pela aplicação da força centrífuga.

domingo, 27 de outubro de 2013

"Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo.
Perdi mãe e perdi pai, que estão no cemitério de Bucelas. Perdi três filhos – a Maria Luísa, o João Miguel, o Fernando António –, que estão vivos, mas me desprezam (e eu dou-lhes razão). Perdi amigos. Perdi o Lisboa; a mulher, a Amada, nunca mais a vi. Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo, já. Se querem saber mais, perdi o gosto da virilidade; se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra, um desgraçado. Sou, e sei que sou.
Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.
Até aos trinta e sete anos, até há bem pouco tempo ainda, portanto, julguei que podia, era possível, ser livre e salvar-me sozinho, no meio de gente que perdeu a força de ser (livre e sozinha), e já não quer (ou mui pouca quer) salvar-se de maneira nenhuma. Julgava isto, creiam, e joguei-me todo e joguei tudo nisto. Enganava-me. Estou arrependido. Fui duro, fui cruel, fui audaz, fui desumano. Fui pior, porque fui (muitas vezes) injusto e nem sei bem ao certo quando o fui. Fui, o que vulgarmente se chama, um tipo bera, um sacana. Não peço que me perdoem. Não quero que me perdoem nada. Aconteceu assim.
Eu para mim já não quero nada, não desejo nada. Tenho tido quase tudo que tenho querido, lutei por isso (talvez o merecesse). Agora, já não quero nada, nada. Já tudo, tanto me faz; tanto faz.
Agora, oiçam: tenho dois filhos pequenos, o Luís José, que é o meu nome, e a Adelina Maria, que era o nome de minha Mãe. O mais velho tem 4, a pequenita dois, feitos em Fevereiro, a 8. Durmo com uma rapariga de 15 anos, grávida de sete meses, e sei que ela passa fome. É natural que alguns de vocês tenham filhos. Que haja, talvez, talvez por certo, mães e pais nesta sala. Não sei se já ouviram os vossos filhos dizerem, a sério, que estão com fome. É natural que não. Mas eu digo-lhes: é essa uma música horrível, uma música que nos entra pelos ouvidos e me endoidece. Crianças que pedem pão (pão sem literatura, ó senhores!) pão, pãozinho, pão seco ou duro, mas pão, senhores do surrealismo, e do abjeccionismo, e do neo-realismo e mesmo do abstraccionismo! Este mês de Março que vai acabar ou já acabou, pela primeira vez, eu ouvi os meus filhos com fome. E pela primeira vez, não tive que lhes dar. Perdi a cabeça, para lhes dar pão (ainda esta semana). Já não tenho que vender, empenhei dois cobertores, e um nem era meu. Tenho uma máquina de escrever, que é a minha charrua, e não a posso empenhar porque não a paguei; e tenho uma samarra, que no prego não aceitam porque agora vai haver calor e a traça também vai ao prego... Já não tenho mais nada. Tenho pedido trabalho a amigos e a inimigos. Humilhei-me, fiz sorrisos. Senti na face, expelido com boas palavras e sorrisos, o bafo da esperança, da venenosa esperança; promessas; risinhos pelas costas. Pedi trabalho aos meus amigos: Luís Amaro, da Portugália Editora; Rogério Fernandes, de Livros do Brasil; Artur Ramos; Eduardo Salgueiro, da Inquérito; dr. Magalhães, da Ulisseia; e Bruno da Ponte, da Minotauro, aqui presente, decerto. Alguns têm-me ajudado; mas tão devagarinho! tão poucochinho!
Sim, porque eu não faço (já agora, na minha idade!) todos os trabalhos que vocês querem! Só faço, já agora, coisas que sei e gosto: escrever umas larachas; traduzir o melhor que posso; mexer em livros, a vendê-los ou a fazê-los.
Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm uma caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma...) também já por cá passaram...) Viram? É horrível!... A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.
Dizia eu: eu quero trabalhar na minha máquina, sozinho, ou rodeado da minha Tribo: os miúdos, uma mulher-criança, grávida. E, às tardes, ir passear pela Avenida Luísa Todi ou na ribeira do Sado. Acho que nem era pedir muito. E para mim, é tudo.
Já pedi trabalho a tanta gente, que já não me custa (envergonha) pedir esmola. Confesso-lhes: até já o fiz, estendi a mão à caridade pública, recebi tostões de mãos desconhecidas, de gente talvez pobre. E tenho pedido emprestado, com a convicção feita que não o poderei pagar. É assim.
Eu para o Luiz Pacheco, repito, não quero nada, não desejo nada, não preciso de nada; mas para os bambinos! E para o bebé que vai nascer! Roupas; leite; pão; um brinquedo velho... Dêem-me trabalho! Ou: dêem-me mais trabalho.
E para findar esta Comunicação, remato já depressa:

Peço uma esmola."

(Alocução de Luís Pacheco numa conferência pública)